Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ)
Estamos avançando no Tempo Comum e com isso conhecemos um pouco mais a pessoa de Jesus Cristo e o seu projeto salvífico para a humanidade. O evangelista Marcos, no qual estamos meditando e conhecendo neste ano litúrgico, é sempre questionador e nos coloca algumas indagações para que possamos responder com a nossa própria experiencia de fé. Vivemos neste final de semana o 25º Domingo do tempo comum. A questão hoje é: quem é o maior (Mc 9,30-37)?
Para antes reconhecermos o maior entre nós, inicialmente, precisamos conhecer os justos, aqueles que caminham na luz e na verdade da fé e do Evangelho. O justo incomoda os incrédulos, os quais por meio de caçoadas, procuram fazer com que o justo desista de ser justo e viva como eles. Na verdade, o injusto precisa se mostrar forte para que todos não percebam a sua infelicidade, o seu vazio interior. E isso acontece pelo fato dele ter escolhido viver com seus próprios recursos ignorando o amor de Deus e sua proteção.
Peçamos a Deus o discernimento e a sabedoria para reconhecermos estes em nosso meio. É somente o Senhor quem nos ampara e nos sustenta. Vai dizer bem o salmo de hoje: é o Senhor quem sustenta a minha vida. É Ele quem me dá forças e me protege do egoísmo dos maus e dos perversos. Mas para isso preciso andar em seus caminhos e suplicar diariamente a toda hora o seu perdão, a sua proteção. Quero sempre bendizer ao Senhor da glória, e seu santo nome, poder e bondade infinita, eu que quero anunciar ao mundo enquanto estiver lúcido. (cfr. Sb 2, 12.17-20 e Sl 53).
Em tempos sombrios, onde a desesperança e o medo nos assolam e nos desmotivam na fé, precisamos ter atenção para que os sentimentos trazidos pelo mundo não perturbem nosso coração. Quando deixamos coisas ruins adentrarem nosso íntimo, não podemos mais transmitir paz e amor aos que estão ao nosso lado. Como podemos transmitir a paz de Cristo se dentro de nós há inveja e discriminações? Como podemos falar do segundo mandamento – amar uns aos outros – se não estamos sendo fraternos, se não acolhemos os fracos, os desclassificados? Como podemos dizer: o Senhor está no meio de nós, se não admitimos aqueles que não são do nosso nível no nosso meio?
A sabedoria que nos vem do alto precisa ser refletida por nós aos nossos irmãos. E para que essa sabedoria passe pela nossa pessoa,
precisamos estar puros, ser humildes e, acima de tudo, pacíficos, como nos diz a oração da paz na missa: “Eu vos dou a minha paz, eu vos deixo a minha paz”.
Já paramos por estes tempos para nos perguntar: por que existem as guerras, as brigas, as discussões e demais atritos e crimes entre nós? É porque na luta pela sobrevivência, somos escravos da idolatria do poder, do conforto, do prazer, e tudo isso gera todo tipo de competição. E mesmo que ganhemos a disputa pelo “osso” que mais cobiçamos, continuamos vazios, pois o muito sem Deus é pouco. Enquanto isso, os humildes que se contentam com o pouco que podem conseguir, são muito mais felizes, pois o pouco com Deus é muito (cfr. Tg 3, 16 – 4,3)
E quando estamos entorpecidos, dominados pela ganância de querer sempre mais, de vencer o outro, custe o que custar, de ser o maior, não adianta nem rezar, pois no nosso pensamento dominante não paira a humildade, e para que a oração seja válida, precisamos nos reconhecer pecadores, imperfeitos e, humildemente, admitir que somos carentes do poder de Deus Pai, pois somente Ele nos basta.
A nossa conversão só vai acontecer quando pararmos de idolatrar coisas e até pessoas, e voltarmos para o Pai com humildade e submissão, aquele que é o nosso único sumo bem. É claro que precisamos das coisas. Do carro, da casa, da roupa etc. Mas o que não precisamos é idolatrar tudo isso, ao ponto de pensar que viveremos aqui para sempre e que Deus existe para satisfazer aos nossos planos egoístas. Estaremos em processo de conversão diária quando abandonarmos o orgulho, a competição, a inveja, a fofoca, a discriminação e procurarmos amar uns aos outros como Jesus nos amou.
Perfeito ainda não somos e o próprio Evangelho de hoje (Mc 9,30-37) nos apresenta isso. Mostra-nos que os discípulos estavam longe de serem pessoas perfeitas, sem nenhum defeito. Eles não estavam entendendo totalmente as explicações de Jesus, além de alimentar uma disputa pelo primeiro colocado, numa suave ambição pelo poder. Será que isso não está dentro de cada um de nós? Será que não vivemos nos comparando com os demais e pensando que somos melhores do que eles? A aspiração à grandeza é algo inerente a nossa natureza. Esquecemos da humildade e, principalmente, da caridade, pois tudo isso nos impede de aceitar o irmão como ele é e de não pretender ser melhor do que ele.
O fato de os discípulos terem disputado o poder, discutindo entre si qual deles seria o maior, deixou Jesus muito triste. Pois disputar o poder dentro do grupo dos escolhidos, parece um gesto de grande insensibilidade, embora a competição seja uma tendência natural do ser humano. O verdadeiro discípulo tem de ser humilde, simples e prudente. Pois sem estes valores, os escolhidos do Reino não seriam diferentes dos grupos políticos daqueles tempos e de hoje. Como somos nós na pastoral em que participamos? Como agimos no nosso grupo familiar e na empresa ou no trabalho que temos? Será que damos testemunho cristão de seguidor do Filho de Deus?
A competição nos esportes é uma descarga da nossa tendência competitiva. Porém, a disputa entre os irmãos, tanto de sangue como fraternos, não é coisa bem-vista aos olhos de Deus. Jesus nos ensina o caminho oposto à competição desleal. Pois a causa de todos os males do nosso relacionamento é o orgulho e a ambição. Ele nos mostra que o cristão deve olhar o outro não se comparando, mas com um olhar de acolhimento, de aceitação e de disposição de servi-lo, caso ele necessite. Pois ser grande no Reino dos Céus é ser humilde e acolhedor, principalmente, dos pequenos. Seguir Jesus é executar as suas palavras. É lembrar de que quando acolhemos o irmão, a irmã, é Jesus quem estamos acolhendo. Que o Senhor nos recorde sempre de que quem quer ser o primeiro, o mais notável, procure ser o último de todos. O mais humilde, o mais modesto. Que Deus nos conduza e nos oriente sempre. Amém!
Fonte: Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB