Dom Pedro Carlos Cipollini
Bispo de Santo André (SP)
Na Bíblia, mais precisamente nos Evangelhos, estão os relatos da multiplicação dos pães (cf. Mt 14,13-21). São milagres operados por Jesus, com um profundo significado para seus seguidores. Jesus quer sinalizar o que ele mesmo ensinou a rezar na oração do “Pai nosso”: que Deus provê seus filhos do pão cotidiano (cf. Mt 6,11; Lc 11,3).
Jesus também proporcionou o pão espiritual que é Ele mesmo, pão vivo que desceu do céu, pão da vida, Palavra que se faz pão. Jesus se refere a Ele próprio e o seu ensinamento, que deve aceitar quem deseja ser seu discípulo.
E o que Jesus nos ensina diante da fome no mundo que aumenta de forma escandalosa, principalmente entre nós no Brasil, país que exporta alimentos para o mundo? Jesus nos ensina que Deus provê o pão nosso de cada dia, mas entrega a nós a distribuição deste pão: “Dai-lhes vós mesmos de comer”(Mt 14,16). É o que diz Jesus aos apóstolos após abençoar os pães e multiplicá-los.
Deus dá a abundância da terra que produz. Dá a inteligência ao homem para desenvolver técnicas cada vez mais sofisticadas a fim de produzir sempre mais. Infelizmente, porém, a distribuição é comprometida pelo egoísmo do ser humano que se volta para o lucro, como valor supremo, e não para a valorização e preservação da vida de seus semelhantes.
Deus faz todos os dias o milagre da multiplicação dos pães, porém, o milagre da distribuição que nós podemos fazer, Ele não faz. Deixa por nossa conta. O apóstolo São Tiago escreveu: “Se um irmão ou irmã estiverem nus, e precisarem do alimento cotidiano e algum de vós lhes disser; ide em paz, aquecei-vos e saciai-vos, sem lhes dar o que é necessário ao corpo, de que lhes aproveitará?” (Tg 2,15-16).
Hoje, ninguém pode ignorar que continentes inteiros apresentam pessoas torturadas pela fome, em especial os milhares de refugiados por inúmeras questões. Em especial são as crianças, anciãos e doentes que são vitimados pela fome, em uma sociedade do descartável.
As estatísticas hoje são alarmantes. No Brasil a fome vem aumentando na mesma proporção que aumenta o comércio de armas. Péssimo indício para o futuro sem paz que se preconiza: fuzil no lugar de pão!
Existem iniciativas generosas para debelar a fome no mundo, o trabalho da Organização Internacional da Alimentação e Agricultura (FAO) entre tantas merece destaque. Na Igreja Católica, o trabalho da Caritas Internacional, que está por toda parte, em ação através dos católicos. Em nossa Diocese de Santo André são inúmeras as iniciativas, fruto da generosidade dos fiéis em especial o trabalho do Vicariato da Caridade Social.
No entanto, isso não basta, como não bastam os investimentos tanto públicos como privados, para debelar a fome.
Escreveu o Papa São Paulo VI: “Não se trata apenas de vencer a fome, nem tampouco afastar a pobreza. O combate contra a miséria, embora urgente e necessário, não é suficiente. Trata-se de construir um mundo em que todos os homens, sem exceção de raça, religião ou nacionalidade, possam viver uma vida plenamente humana, livre de servidões que lhe vêm dos homens e de uma natureza mal tratada; um mundo em que a liberdade não seja uma palavra vã e em que o pobre Lázaro possa sentar-se à mesa do rico” (Populorum Progressio n. 47).
A fome, antes de destruir a criatura, torna-a desesperada. Por isso, não pode haver paz em uma sociedade onde, diante do supérfluo dos ricos, muitos passam fome de pão… e todos, muitas vezes, fome de Deus!
Fonte: Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB