“O povo que andava em trevas viu grande luz,
A luz brilhou sobre os que viviam nas regiões das sombras da morte… Porque nos foi dado um menino, um menino nos nasceu…” (Is 9,1.5)
Estamos cansados de ver, a cada ano, a celebração do Natal envolta em tantas superficialidades e num consumismo absurdo, infelizmente. E é por isso que o Natal dificilmente diga algo novo, alegre ou esperançoso para tantos homens e mulheres de alma e coração acostumados a estas superficialidades e consumismos.
Novamente, celebramos o Natal em meio à realidade complexa deste nosso mundo: com dramas dolorosos, com conflitos e desentendimentos entre pessoas, com multidão de irmãos necessitados tratados com total indiferença, com as vítimas da fome espalhadas pelo mundo todo, com a injustiça, com a guerra, com lágrimas de dor, de desilusão e de luto. É em todas estas tristes situações que se torna mais do que necessário soar, urgentemente, em tom de afirmação jubilosa, de desafio e de esperança, o cântico dos Anjos que proclamam a glória do Deus do céu, na paz entre os homens e mulheres que Ele ama na terra com seu Amor eterno.
As situações difíceis estão presentes e muitos homens e mulheres, nossos irmãos e irmãs, são vítimas da ausência de razões para a esperança. A falta de condições dignas de vida afeta muitas famílias, que não podem ver um futuro sorridente e promissor para as suas crianças e os seus jovens. Afeta também a vida de muitos idosos relegados ao abandono e à solidão. Os dramas humanos e espirituais sucedem-se e deixam prostradas muitas pessoas, que não têm as necessárias forças interiores para se levantarem, reanimarem e renovarem o dom da sua existência.
Na vida franciscana, onde fui formado, aprendi, desde sempre, que o coração franciscano deve continuamente se extasiar pela vivência do tempo do Natal e, de modo particular, pela comemoração do dia em que nasceu entre nós o Menino-Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo, que foi deitado nas palhas de uma pobre manjedoura. Acredito que as imagens do presépio estão indelevelmente gravadas no mais fundo de nosso coração desde a mais tenra idade. Mesmo que a sociedade de consumo tenha tirado Nosso Senhor Jesus Cristo do centro do Natal e desconheça as verdadeiras razões pelas quais ele é celebrado, nosso coração franciscano continua deixando-se encantar com o Natal e fazendo dele um tempo de esperança. No tempo natalino, parece que voltamos a ser crianças na capacidade de deixar-nos maravilhar com a simplicidade da beleza e a mensagem de amor que emanam desta solene festa.
Para o Seráfico Pai São Francisco, o Natal é a Festa das festas, porque o Filho de Deus se revestiu da verdadeira carne da nossa frágil humanidade, para a nossa salvação. Foi o Seráfico Pai São Francisco de Assis que, no Natal de 1223, há 799 anos, formou o primeiro presépio com pessoas simples de Greccio, na Itália. Formou-o com a finalidade de nos aproximar mais da verdadeira Humanidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Verbo Encarnado, feito um Menino pobre com os pobres. Ele procurou e realizou o seu presépio numa gruta natural na floresta de Greccio, local montanhoso, nas proximidades da cidade de Assis, onde se havia construído um “Romitório”, para os frades aí ruminarem e digerirem, no silêncio da natureza, as riquezas da Palavra de Deus, em profunda meditação.
É preciso, eu bem sei, que redescubramos – e o Seráfico Pai São Francisco de Assis nos ensina em que consiste – o verdadeiro sentido do Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo. Não podemos deixar que o Natal se torne uma festa paganizada pelo desejo do consumismo insaciável nem por um sentimentalismo que não nos leve a nos comprometer verdadeiramente, a cada dia, com a paz, a justiça e o bem das pessoas. Natal não é a festa onde o egoísmo, a indiferença e nada de ruim e triste possam fazer parte.
Natal é, sim, o nascimento do Menino Jesus, bem sabemos e cremos. É a forma que Deus escolheu para se fazer presente no mundo, como pessoa humana. É o dia em que Deus, o Altíssimo, abriu mão de sua Onipotência para se tornar humano e assim divinizar nossa humanidade. Ele, que é único, total e nada reserva para si, demonstra- nos, com o glorioso Natal de seu Filho Nosso Senhor Jesus Cristo, que o amor humano pode realizar maravilhas, pode ultrapassar muitos dos seus limites e pode transformar o nosso mundo pela candura de sua força.
Temos que nos lembrar sempre que o Natal é a Festa da Fraternidade Universal em Nosso Senhor Jesus Cristo. Esta verdade revela que todos somos filhos e filhas do mesmo Pai e por isso somos todos irmãos. Por esta nobre razão, o Natal cristão, num coração franciscano e em todos os corações, deve ser celebração do amor sempre fraterno, amor que nos leva a viver para amar sem jamais nos cansar e perseverando na prática das boas obras.
Aqui vemos manifestado o compromisso em formar uma comunidade composta por irmãos e irmãs que se amam e se acolhem reciprocamente, cuidando uns dos outros e nunca fazendo nenhum tipo de maldade, seja por pensamentos, palavras, atos ou omissões. Sim, o sonho de Deus é que aprendamos a cuidar de nossos irmãos e irmãs, sobretudo dos mais vulneráveis, com incansável amor. Assim, a celebração do Natal não permitirá que passemos ao lado de quem precisa indiferentes à sua pobreza, ao seu abandono e à sua dor. Que nossos olhos jamais estejam embaçados pelos egoísmos que escravizam e impedem o amor de acontecer em gestos e palavras. A justiça e a solidariedade nas relações sociais, laborais e familiares, juntamente com o amor e a caridade, são e serão cada vez mais as exigências concretas que brotam do Natal e também as razões motivadoras para que o celebremos com toda fé e responsabilidade.
Em nossa mística franciscana, o Natal sempre será celebrado com o santo propósito de congregar tudo e todos num só coração e numa só alma, na busca incessante do diálogo que respeita a dignidade humana, a vida em todas as suas formas e gera, na força da perfeita alegria, a fraternidade universal querida por Deus na pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Menino nascido pobre na gruta de Belém.
Sendo assim, com toda a humildade e alegria do meu coração franciscano, desejo sinceramente que, neste Natal, busquemos aprofundar o sentido humano, cristão e franciscano da Fraternidade; procuremos mudar a nossa mentalidade egoísta; ensinemos às crianças, jovens e a todas as pessoas a alegria de partilhar os dons e talentos; abramo-nos ao compromisso de oferecer com toda bondade o nosso auxílio aos pobres e necessitados de pão e de amor; tornemos a Paz e o Bem realidades presentes na vida do mundo e no coração de todas as pessoas.
Mas não nos esqueçamos, jamais, de que a Paz e o Bem só são possíveis quando brotam das entranhas mais profundas do coração humano, porque aí dentro dele já chegou a Luz de Nosso Senhor Jesus Cristo, o nosso Salvador! Então haverá a Paz e o Bem em todos os corações, nas famílias, nas comunidades, nos lares, na sociedade e no mundo inteiro!
Apareceu-nos um Menino: apareceu-nos a ternura e a doçura do Deus que salva! Confiados na grandeza do abraço amoroso de Deus, que envolve toda a humanidade em Nosso Senhor Jesus Cristo, que nasceu e está presente no meio de nós, ofertemos a pequenez do nosso abraço a todos aqueles e aquelas que esperam de nós, na ternura de nossa vida, o anúncio da alegria do sentido do verdadeiro Natal!
Que Deus vos abençoe e vos guarde num santo e feliz Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo!
No amor do verdadeiro sentido do Natal,
Frei Rogério Viterbo de Sousa, OFM
Custódio e servo menor
Campo Grande, MS, 20 de dezembro de 2022.