Frei Rogério Viterbo de Sousa, OFM
Eu acredito que a gratidão, além de ser um precioso dom de Deus, seja também uma arte franciscana. Uma arte que enche o nosso coração franciscano de verdadeira felicidade e permeia de sentido o nosso existir.
Desde sempre o ser humano está à procura de felicidade e de sentido. Como diz finamente Santo Agostinho: “Ele quer ser feliz mesmo vivendo de tal modo que não o seja”1. Mergulhado até o pescoço numa sociedade cujo espírito é regido pelo capitalismo, pelo materialismo egocêntrico e utilitarista, uma sociedade cujas relações se baseiam unicamente na utilidade de suas ações e no prazer dos sentidos; uma sociedade, enfim, que se fundamenta na vanglória humana, nos títulos de honra e nos desejos de poder, é muito difícil para o ser humano contemplar e fazer a experiência do amor gratuito de Deus. Vivemos num mundo em que a vida humana transformou-se num grande comércio, onde tudo se compra e tudo se paga… É a época do descartável. Diante dessa lastimável realidade, muitos perderam o valor da gratuidade e da gratidão.
Esta realidade, infelizmente, pode ser facilmente percebida nos dias atuais. Parece que ela também nos atinge, pois estamos perdendo nossa capacidade franciscana de expressar e de viver a gratidão. Por vezes, não percebemos que o orgulho destrói nossa gratidão e a substitui pelo egoísmo. Não percebemos também que ser grato é o oposto de ser egocêntrico. Aprendemos desde pequeninos que quem não sabe agradecer não é capaz de enxergar o seu semelhante e, por isso, não sabe reconhecer a presença de Deus. Seria o cúmulo de egoísmo alguém dizer: “Eu me agradeço”. Não seria nenhum exagero pensar que nós, muitas vezes, somos tentados a fazer este cúmulo acontecer. Desde crianças, fomos educados a agradecer os favores recebidos. Não poderíamos jamais nos esquecer deste nobre aprendizado.
Nos dias de hoje, já não ouvimos mais, como antes, as palavras “Graças a Deus”. Santo Agostinho nos diz: “Que coisa melhor podemos trazer no coração, pronunciar com a boca, escrever com a pena, do que estas palavras: «graças a Deus»? Não há nada que se possa dizer com maior brevidade, nem ouvir com maior alegria, nem sentir com maior elevação, nem realizar com maior utilidade”2. Lembro-me ainda de um ensinamento de São Bernardo: “Não há ninguém que, por pouco que reflita, não encontre facilmente motivos que o obrigam a ser agradecido com Deus […]. Ao conhecermos o que Ele nos deu, encontraremos muitíssimos dons pelos quais devemos dar graças continuamente”3.
Sendo assim, como generosos e humildes franciscanos que devemos ser, não podemos jamais deixar de praticar a gratidão. É preciso que recobremos constantemente a arte franciscana de viver com gratidão. É mister que recobremos também, com perseverança, nossa capacidade de reconhecer que tudo é dom, que nada nos é devido, que tudo vem de Deus, cuja grandeza, bondade e misericórdia são infinitas e insondáveis. Acreditar nesta verdade é reconhecer que só podemos viver diante d’Ele dando-lhe graças por tudo. E isto gerará em nós um jeito novo de nos situar, não só na presença de Deus, mas também na presença de nossos irmãos e irmãs. Fomos educados para agradecer todos os favores recebidos, pois aprendemos que a gratidão é uma atitude que brota do coração de quem se sente amado e totalmente envolvido pelo amor de Deus.
Sendo assim, a gratidão se transformará para nós numa fonte de vida saudável, por ser uma atitude contínua de afeição e de prática do amor para com o próprio Deus e para com todas as pessoas. A gratidão nos ensinará a viver a vida na medida do amor, do serviço gratuito, da justiça, da misericórdia, da fraternidade, da solidariedade e do perdão.
Nós, franciscanos, cremos e ensinamos que tudo é gratuidade da parte de Deus para conosco. Por um pouco que a deixemos aflorar, ela irá abrindo caminho, pacificando nossa alma e fazendo emergir, ao mesmo tempo, o melhor que existe dentro do nosso coração franciscano. Para que isto seja possível, a gratidão deve ser cultivada como um estado permanente do nosso jeito franciscano de viver com simplicidade e no tom da perfeita alegria.
Por outro lado, precisamos a todo custo evitar a ingratidão, seja ela expressa por palavras ou por atitudes. Uma pessoa ingrata é uma pessoa doente, incapaz de reconhecer-se cercada de tantos dons e cuidados da parte de Deus e das pessoas que a amam. De fato, a ingratidão envenena as relações, petrificando nossa interioridade e levando-nos a um processo de desumanização. O escritor inglês Aldous Huxley escreveu: “A maioria dos seres humanos tem uma capacidade quase infinita de não dar valor ao que tem”4. Parafraseando esta verdade, podemos dizer com certeza que uma grande parte dos seres humanos tem uma capacidade quase infinita de não manifestar gratidão. Isto é muito triste e machuca inúmeros corações.
Bom, somos franciscanos e não praticamos e nem compactuamos jamais com nenhuma forma de ingratidão. Mesmo que pareça ser utopia, nós escolhemos viver enxergando a vida, as pessoas e todas as criaturas com olhos repletos de gratidão. Acreditamos que o amor sempre vencerá o mal, a inveja, a ofensa, a ingratidão e as trevas da ignorância. Aprendemos que seremos copiosamente mais felizes se conservarmos nosso coração franciscano repleto de gratidão. Movidos pela força do amor, saberemos ser intensamente diligentes ao cultivar, por meio de uma fé fervorosa, um espírito de profusa gratidão para com Deus e para com todos os nossos irmãos e irmãs!
A gratidão deve ser um modo de vida para nós, fluindo naturalmente de nossas atitudes, de nosso coração franciscano e das palavras de nossos lábios. Nós, franciscanos, respondemos ao chamado de Deus e escolhemos viver nossa existência à maneira do Santo Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, com toda a nossa constância, com toda a nossa fidelidade e também com toda a nossa gratidão. Sabemos que não podemos ser cristãos e verdadeiros franciscanos sem trilhar os caminhos da autenticidade, que nos levam, a exemplo de nosso Seráfico Pai São Francisco de Assis, a em tudo ser infinitamente gratos a Deus. Não existe um só dia em que Deus não nos conceda alguma graça particular e extraordinária. No final de cada dia, em nosso exame de consciência, com o nosso coração franciscano transbordando de tanta gratidão, saibamos dizer alegremente a Deus: “Obrigado, Senhor, por simplesmente tudo”. A gratidão gera a alegria, e a alegria nutre a profunda gratidão.
À luz disso, quero ternamente ainda pedir: “Sejam agradecidos!”5, “E tudo o que fizerem, seja em palavra, seja em ação, façam em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai”6, “Em tudo, deem graças, porque esta é a vontade de Deus para vocês em Cristo Jesus”7.
Desejo que minhas humildes palavras, talvez, lhes sirvam para um bom momento de reflexão. Se assim for,
Boa reflexão, então!
Convento São Francisco, Campo Grande, MS, 08 de setembro de 2020.
Festa da Natividade de Nossa Senhora