Frei Rogério Viterbo de Sousa, OFM
Muitas vezes me vejo pensando na beleza da nossa vocação franciscana. Surge no meu coração franciscano um sentimento de felicidade! Porém, sei que este sentimento não pode reduzir-se a um simples recordar nostálgico. Este sentimento deve fazer surgir em mim um desejo de tornar realidade, com atitudes concretas, o ideal de vida do Seráfico Pai São Francisco de Assis em nossa vida humana e cristã. Aprendi que conhecê-lo é simplesmente compreender o Evangelho, e segui-lo no seu verdadeiro e integral espírito, é viver o Evangelho em toda a sua plenitude. Aprendi também que ele foi, como devem ser todos os santos, simplesmente “alter Christus” (outro Cristo).
É triste constatar que, nos dias atuais, exista um descuido da vivência dos ensinamentos e ideais do Seráfico Pai São Francisco de Assis por parte de alguns daqueles que abraçaram a vocação franciscana. Alguns dizem que um franciscanismo na sua essência já não combina com este nosso tempo. Outros, equivocadamente, dizem que o franciscanismo está ultrapassado e que precisa ser reinventado. Penso que, de fato, não compreenderam a essência e nem a beleza da vocação franciscana.
Bem sabemos que a vocação do Seráfico Pai Francisco de Assis assenta-se, essencialmente, em dois pontos: o ideal evangélico e o Amor ao próximo. Ele desejava ser como nosso Senhor Jesus Cristo, que viveu pobre toda a sua vida. Ele também soube reconhecer o verdadeiro sentido da vida através da fraternidade, dos irmãos que o Senhor lhe dera. No seu Testamento, ele expressa tão bem este sentimento fraterno quando diz: “E depois que o Senhor me deu irmãos, ninguém me mostrou o que eu deveria fazer, mas o Altíssimo mesmo me revelou que eu devia viver segundo a forma do Santo Evangelho”1. Viver o Evangelho em pobreza, não desejar ter além do necessário para uma vida digna deveria ser o desejo de nosso coração franciscano.
A longa tradição franciscana e os documentos da Ordem não hesitam em afirmar que nossa vocação é a de seguir integralmente a nosso Senhor Jesus Cristo. Afirmam também que nossa forma de vida é “observar o santo Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, vivendo em obediência, sem propriedade e em castidade”2. Desta maneira podemos concluir que nossa vocação franciscana não tem outro programa de vida e nem se ajusta a um desejo pessoal de viver a vida de uma forma aburguesada, descomprometida e indiferente aos apelos dos pobres e necessitados. Não podemos nos esquecer que o Seráfico Pai São Francisco de Assis pediu a seus irmãos não somente para visitar os pobres, mas para viverem entre eles, servi-los como pobres servem a pobres, submissos a todos.
Creio que um dos sinais eloquentes da vocação franciscana na vivência do Evangelho seja justamente a vida de pobreza, onde, em solidariedade com os pobres, com os excluídos e com os descartados de nossa sociedade, somos convidados a viver o despojamento em nossa vida, a fim de que possamos dar um bom testemunho de uma vida vivida com sobriedade e coerência. Acima de tudo, aprendemos que devemos partilhar constantemente o que somos e o que temos como dons que se repartem e contribuem para a construção de um mundo mais humano, mais justo e mais fraterno.
Aprendemos franciscanamente, e não podemos nos esquecer, a arte de restituir a Deus o que pertence a Ele. Assim bem nos recomendou o Seráfico Pai São Francisco de Assis: “E restituamos todos os bens ao Senhor Deus altíssimo e sumo e reconheçamos que todos os bens são dele e por tudo demos graças a ele, de quem procedem todos os bens. E o mesmo altíssimo e sumo, único Deus verdadeiro, os tenha, e lhe sejam restituídos, e ele receba todas as honras e reverências, todos os louvores e bênçãos, todas as graças e glória, ele de quem é todo o bem, o único que é bom”3.
A vivência coerente de nossa vocação franciscana deve contribuir imensamente para que aconteça o mundo sonhado por Deus e buscado ser criado teimosamente pelo nosso Seráfico Pai São Francisco de Assis. Então, como explicar de nossa parte o desejo de querer ter isso e aquilo mais, materialmente falando? Ou o desejo de viver o aburguesamento, como se fosse um direito normal, justificando-o de acordo com os nossos próprios interesses? Realidades assim jamais irão combinar com a nossa forma de vida franciscana. Precisamos reaprender o valor da pobreza em nossa vida franciscana e como o Seráfico Pai São Francisco de Assis seremos incansáveis servos dos pobres. Os pobres nos dão o sentido de nossa identidade franciscana.
Com relação ao amor ao próximo, o Seráfico Pai São Francisco de Assis nos ensinou o dom da fraternidade universal. Ele nos ensinou a reconhecer em cada pessoa a imagem do Criador, não desprezando ninguém. Quando vivemos verdadeiramente a vocação franciscana, conseguimos ser para todas as pessoas sinais de misericórdia, de acolhida, de apoio, de conforto, de ajuda nas dificuldades, de solidariedade e de compaixão nos sofrimentos. Estabelecemos relações fraternas firmadas na verdade e
no respeito ao outro, com autenticidade e respeito às diferenças. Jamais seremos capazes de nenhum tipo de maldade e de omissão. Saberemos ser fraternalmente sempre bons irmãos. Nosso coração franciscano transbordará da graça do amor fraterno.
Acredito que a vivência de nossa vocação franciscana, no seguimento fiel e radical do Seráfico Pai São Francisco, seja possível. Para tanto, é mister que o nosso coração franciscano esteja entregue à oração. Precisamos ser pessoas orantes em constante busca de nosso Senhor Jesus Cristo. Sem manter um diálogo aberto com Ele, em momentos de oração pessoal e comunitária, sem buscar o silêncio, sem cultivar a leitura bíblica, sem a participação frutuosa na Eucaristia, sem a participação no sacramento da penitência, jamais conseguiremos viver na plenitude a totalidade da santidade existente na simplicidade de nossa vocação franciscana. Agindo desta maneira, viveremos apenas uma caricatura imperfeita da mesma. Há quem goste de viver assim, infelizmente.
Nosso Senhor Jesus Cristo fez o convite para o seu seguimento: “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a cada dia sua cruz e siga-me” (Lc 9,23). Aqueles que nunca conseguem abrir mão das próprias vontades, das vaidades, dos egoísmos e não conseguem suportar as fadigas, ainda não entenderam o significado redentor da cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo. O Seráfico Pai São Francisco de Assis nos ensinou a assumir a cruz e que a assumindo teremos a oportunidade de um novo recomeço, onde morrerá o velho homem para ressuscitar o homem novo. Quem não sabe morrer para suas vontades, não experimentará a graça da ressureição, que traz uma nova vida.
Entre tantos ensinamentos que trago no meu coração franciscano, aprendi também que Deus não tem espaço dentro de um coração arrogante e mundano. A “Kenosis” de nosso Senhor Jesus Cristo é o maior testemunho de pobreza e de minoridade. O Seráfico Pai São Francisco de Assis compreendeu esta sublime verdade e fez dela uma marca indelével dentro da vocação franciscana. Deus se abaixou para lavar os pés da humanidade, se fez menor. Aquelas pessoas que perderam a capacidade de descer do orgulho e ser humildes, isto é, tocar o húmus, não contemplam o espelho da vida de Nosso Senhor Jesus Cristo e não conseguirão viver com fidelidade a vocação franciscana.
Ser franciscano é um presente do amor de Deus. A forma como vivemos nossa vocação franciscana deve ser o nosso presente entregue a Ele. Pode até parecer ousadia de minha parte e mesmo que alguém diga que a vocação franciscana esteja repleta de um franciscanismo “das alturas” e que ela seja impossível de ser vivida na sua essência, eu continuo acreditando que seja plenamente possível vivê-la da maneira sempre franciscana. Vou perseguindo esta graça de continuar vivendo sempre a essência e a beleza da vocação franciscana, pois foi justamente desta fascinante maneira que meu coração franciscano escolheu viver. Que Deus nos ajude a sermos verdadeiramente franciscanos! Que Nossa Senhora das Alegrias abençoe o nosso desejo de fidelidade, de perseverança e de coerência na vivência da vocação franciscana! Que o Seráfico Pai São Francisco de Assis nos ensine a sermos, humildemente, sempre franciscanos!
Desejo que minhas humildes palavras, talvez, lhes sirvam para um bom momento de reflexão. Se assim for,
Boa reflexão, então!
Convento São Francisco, Campo Grande, MS, 10 de agosto de 2020.