Frei Rogério Viterbo de Sousa, OFM
“A nossa alegria é o melhor modo de pregar o cristianismo”
(Santa Teresa de Calcutá)
Nesta manhã ensolarada, depois da oração pessoal, liguei o aparelho de som para ouvir a cantata 147 de Bach, “Jesus, alegria dos homens”. É uma das minhas cantatas preferidas. É belíssima! Na sua fina simplicidade, ela toca o meu coração franciscano. Ouvindo-a, senti a alegria em cada nota. Na verdade, senti a perfeita alegria. Digo perfeita alegria, pois assim aprendi, franciscanamente, a chamar a alegria. Em cada nota desta cantata, fui sendo levado até às veredas da emoção. Depois que a cantata terminou, coloquei-me a meditar sua letra. Surgiu, no meu coração franciscano, um desejo de fazer a perfeita alegria ser, simplesmente, constante na minha vida e na vida de todas as pessoas. Musicalmente embalado, comecei a escrever esta humilde reflexão sobre a perfeita alegria. Lembrei-me dos versos finais da Cantata “Jesus Alegria dos homens”, que, traduzidos, dizem:
“Jesus continua sendo minha alegria, o conforto e a seiva do meu coração.
Jesus, refreia a minha tristeza.
Ele é a força da minha vida,
É o deleite e o sol dos meus olhos,
O tesouro e a grande felicidade da minha alma,
Por isso, eu não deixarei ir Jesus
do meu coração e da minha presença”1.
Que bom seria, se esta verdade fosse cantada por todos os corações! Que bom seria, se, de fato, Nosso Senhor Jesus Cristo pudesse ser a seiva da perfeita alegria em todos os corações! Certamente, não haveria espaço para tantas tristezas, que nos fazem desafinar na cantata do dom de viver feliz. É notório que está faltando a perfeita alegria no mundo e principalmente em muitos corações. O momento histórico, tanto a nível social, político, econômico e humanitário, que vivemos é triste e assustador no panorama de nosso país e também no panorama mundial. É tão insana a luta diária pela sobrevivência e para ganhar o suado pão de cada dia a que nos sujeitamos. Já não temos tempo nem para ser feliz. Parece-me que estamos desaprendendo a arte de ser e de fazer ser feliz. Notícias tristes se acumulam. A perfeita alegria parece tão longínqua e, por vezes, quase inalcançável.
Neste período de pandemia provocada pelo novo coronavírus, muitas vezes deixamos nossas mentes e corações se contaminarem pela tristeza, pela angústia, pelo medo e pelas incertezas. Tudo isto é causado pela enorme quantidade de informações e notícias tristes que recebemos. Tal contaminação pela tristeza pode ser devastadora em nossas vidas, pois abala nossas mentes e, consequentemente, pode abalar as nossas convicções de felicidade. Não podemos deixar que isto aconteça conosco nem com aqueles que estão ao nosso redor. Felicidade é dom de Deus, mas não vem pronta lá do céu. É luta que se trava com um sorriso estampado no rosto, cada dia, aqui na terra.
Para evitar que nossas mentes e nossos corações sejam tomados pela tristeza, pelo medo, pela angústia e pelas incertezas, precisamos nos apegar a Deus e colocar tudo o que somos e temos nas mãos d’Ele! Precisamos nos apegar à sua Palavra e nos achegarmos a Ele! O Senhor nos diz: “Acaso não te ordenei que sejas forte e corajoso?! Não tenhas medo, não te acovardes, pois o Senhor, teu Deus, estará contigo por onde quer que vás!”2. A nossa vida está abrigada no coração de nosso Deus. Não estamos sozinhos e jamais seremos abandonados por Ele. Sabemos desta verdade que nos consola, pelo anúncio de sua Palavra que nos renova a esperança de se ter a perfeita alegria no coração. Recentemente, li um texto do Cardeal Walter Kasper. Neste texto, o cardeal afirmava, justamente, que “Saber que estamos abrigados no amor de Deus tira de nossa existência o medo, a incerteza, a sensação de estarmos perdidos e sem chão, dá sentido e apoio. Portanto, anunciar a palavra de Deus significa propiciar dignidade, apoio, sentido e consolo ao homem. A palavra de Deus é para nós felicidade e alegria de coração (Jr 15,16); anunciar a palavra de Deus significa proporcionar ao homem, com alegria em Deus, a alegria por existir”3
É impossível não sentir a perfeita alegria, quando nos deparamos com o grande e perfeito Amor de Deus! E quando nos lembramos do que nosso Senhor Jesus Cristo realizou na Cruz para nos salvar! Uma perfeita alegria nasce e transborda no nosso coração! Um coração com perfeita alegria é mais forte, ou seja, mais preparado para enfrentar os desafios da dura peleja da vida. A perfeita alegria é um sentimento de plenitude e de satisfação interior. Ela tem o poder de acabar com todo e qualquer tipo de tristeza. E como precisamos da perfeita alegria, atualmente!
A Bíblia nos ensina, insistentemente, que o dom da perfeita alegria precisa estar fundamentado na fé e não na instabilidade das circunstâncias de tempo e de lugar. Ensina-nos também que a perfeita alegria tem o poder de tocar a nossa alma. Não significa necessariamente e somente conservar um sorriso nos lábios o tempo todo, mas conservar uma atitude interior de paz, de confiança, de esperança e de plena satisfação em Deus.
A prática da perfeita alegria é a arte de oferecer resistência à tristeza por meio da certeza proporcionada pela presença de Deus na nossa vida. Por isso, nós devemos buscá-lo honesta e continuamente. Quando agimos desta maneira, torna-se possível
aumentá-la em nossas vidas. Não podemos buscá-la de acordo com nossas próprias vontades, vaidades ou desejos pessoais. Agindo assim, certamente falharemos. Para não incorrermos neste perigo, é preciso sempre ficar na presença de Deus, o Autor da Perfeita Alegria, e seguir no compasso de seu Coração, o Caminho que Ele escolheu para que nós consigamos conquistá-la constantemente.
Nosso Senhor Jesus Cristo ensina a seus discípulos o segredo da perfeita alegria. Ele disse: “Como o Pai me ama, assim também eu vos amo. Perseverai no meu amor. Se guardardes os meus mandamentos, sereis constantes no meu amor, como também eu guardei os mandamentos de meu Pai e persisto no seu amor. Disse-vos essas coisas para que a minha alegria esteja em vós, e a vossa alegria seja completa”4. A sua Alegria está presente no meio de nós! Deixemos esta verdade ecoar em nosso viver e ser confirmada em nós com um sorriso de esperança na alma e no coração! É bem melhor, quando nos permitimos viver desta forma!
Nos escritos dos Santos Padres, encontramos vários ensinamentos referentes à perfeita alegria. O Papa Paulo VI, afirmava que “da alegria trazida pelo Senhor ninguém é excluído”5. O Papa emérito Bento XVI, em sua mensagem para os jovens, dizia: “A Igreja tem a vocação de levar ao mundo a alegria, uma alegria autêntica e duradoura, aquela que os anjos anunciaram aos pastores de Belém na noite do nascimento de Jesus (Lc 2,10)… Na realidade, as alegrias autênticas, as que são pequenas do dia a dia ou as grandes da vida, todas têm origem em Deus, mesmo se à primeira vista não venham de cima, porque Deus é comunhão de amor eterno, é alegria infinita que não permanece fechada em si mesma, mas que se expande naqueles que Ele ama e que o amam. Deus criou-nos à sua imagem por amor e para derramar sobre nós este seu amor, para nos colmar com a sua presença e com a sua graça”6.
O Papa Francisco, na Exortação Apostólica “Evangelii Gaudium”, de 24 de novembro de 2013, refletindo sobre a alegria cristã afirmava que “Há cristãos que parecem ter escolhido viver uma Quaresma sem Páscoa. Reconheço, porém, que a alegria não se vive da mesma maneira em todas as etapas e circunstâncias da vida, por vezes muito duras. Adapta-se e transforma- se, mas sempre permanece pelo menos como um feixe de luz que nasce da certeza pessoal de, não obstante o contrário, sermos infinitamente amados. Compreendo as pessoas que se vergam à tristeza por causa das graves dificuldades que têm de suportar, mas aos poucos é preciso permitir que a alegria da fé comece a despertar, como uma secreta, mas firme confiança, mesmo no meio das piores angústias”7.
O Papa Francisco, no início desta mesma Exortação, nos alertou para um perigo que pode ser causado pela falta da perfeita alegria: “O grande risco do mundo atual, com a sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais, da consciência isolada. Quando a vida interior se fecha nos próprios interesses, deixa de haver espaço para os outros, já não entram os pobres, já não se ouve a voz de Deus, já não se goza da doce alegria do seu amor, nem fervilha o entusiasmo de fazer o bem”8. Em cada ensinamento dos Santos Padres, acima citados, podemos compreender que a perfeita alegria sempre foi tratada como um tema importante. A perfeita alegria é uma necessidade urgente para a Igreja e para nós e para todas as pessoas nos dias atuais e no sempre da vida.
Dentro da nossa Espiritualidade Franciscana, um dos aspectos que se destaca também é a perfeita alegria. O seráfico pai São Francisco de Assis, a meu ver, trouxe ao mundo um novo modo de viver a vida na perfeita alegria. Podemos dizer, poeticamente, que ele se tornou um homem feito perfeita alegria. É por isso que a perfeita alegria fica perfeitamente enquadrada pelo adjetivo “franciscana”. Frei Hugo Baggio, em seu livro “São Francisco, vida e ideal”, ressalta esta verdade: “Se pobre é um adjetivo que caracteriza e descreve Francisco de Assis, alegre tem o mesmo peso e o mesmo brilho e sua ausência tornaria incompleta qualquer definição deste Santo, que nos legou uma “espiritualidade sempre jovem”, evocando jovem como sinônimo de alegria. Deste modo, a ALEGRIA aparece, com todo o direito, como outra das notas características do Franciscanismo”9. Quiçá possamos, a cada momento, saber adjetivar com a perfeita alegria franciscana todos os substantivos da vida! Tomara que o nosso jeito franciscano de viver a perfeita alegria consiga torná-la uma realidade, na sua pureza mais lídima e na sua expressão mais concreta, em todos os corações! Eu espero que sim.
Que o Seráfico Pai Francisco de Assis, homem do Evangelho, da oração, da fraternidade, da pobreza e da perfeita alegria, nos ensine a construir um mundo feito desta mesma perfeita alegria livre e apaixonada, fruto de despojamento, sobriedade, simplicidade e capacidade sem fim de maravilhar-se e de amar todas as pessoas e todas as criaturas! Que nos ensine ainda a ter como centro de nossa vida o amor! O amor que é a força capaz de produzir em todos os corações a perfeita alegria de maneira simples e constante!
Antes de terminar esta humilde reflexão, não posso me esquecer de falar da Santíssima Virgem Maria, Rainha e Advogada de nossa Ordem Seráfica e Padroeira de nossa Custódia, sob o título de Nossa Senhora das Alegrias. Ela é um formoso exemplo da perfeita alegria e, no seu Magnificat, nos diz: “Minha alma glorifica o Senhor, meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador, porque olhou a humilhação de sua escrava”10.
Peçamos a Ela, a Senhora das Alegrias, que nos ensine a impregnar nossa alma, nosso semblante, nossos atos, nossas palavras, o mundo inteiro e todos os corações com a perfeita alegria que nos dá Nosso Senhor Jesus Cristo! Lembremo-nos que, enquanto houver uma pessoa que sofre mergulhada na tristeza, a perfeita alegria cristã e franciscana jamais será plena. Precisamos ser um pouco mais presença da perfeita alegria na vida do mundo e na vida de quem desaprendeu a arte de ser feliz.
Desejo que minhas humildes palavras, talvez, lhes sirvam para um bom momento de reflexão. Se assim for,
Boa reflexão, então!
Convento São Francisco, Campo Grande, MS, 20 de junho de 2020.