Frei Rogério Viterbo de Sousa, OFM
Ressoa fortemente no meu coração franciscano o primeiro pronunciamento do santo Padre Papa Francisco à imprensa, três dias depois que assumiu o pontificado. Disse que o Cardeal Dom Cláudio Hummes, logo após a confirmação dos votos necessários para a sua eleição, pediu-lhe: “Não se esqueça dos pobres”. O papa prosseguiu ao lembrar-se da figura do Seráfico Pai São Francisco de Assis, quando disse: “Aquela palavra entrou na minha cabeça. Lembrei imediatamente de Francisco de Assis, que é um nome da paz. Assim tive a ideia do nome que surgiu em meu coração. Ele é o homem da beleza, o homem da paz, que ama e protege a criatura, nesse momento em que não temos uma relação tão boa. O homem que nos dá esse espírito de paz. Ah, como eu gostaria de uma Igreja pobre, para os pobres!”1.
Logo depois que li a sua entrevista, passei a pensar em nosso jeito franciscano de viver a pobreza. O nosso Seráfico Pai São Francisco de Assis fez dela um dos fundamentos de nossa Ordem. O amor pela pobreza se manifestava na sua vida, na maneira de se vestir, no uso dos poucos bens materiais e nos seus atos. Apesar de tudo, sempre era visto alegre e contente. A pobreza do Pobrezinho de Assis era uma pobreza voluntária, aceita e vivida por ele como caminho de liberdade frente ao dinheiro e à tentação do acúmulo de bens materiais.
Partindo desta compreensão, fica fácil perceber que a falta de pobreza voluntária gerará um grande sofrimento na nossa vida; ela poderá fazer muito mal para nossa vocação franciscana. Hoje, as tentações para viver uma vida “aburguesada” são muitas. O pior é quando se acha que este aburguesamento seja uma realidade perfeitamente normal. Mas não é e nunca será. Será sempre uma contradição para nossa forma de vida franciscana. Devemos ser, franciscanamente, pobres.
Acredito que seja impossível desassociar a inspiração franciscana pela pobreza da pobreza de Nosso Senhor Jesus Cristo. O Seráfico Pai São Francisco de Assis escolheu o caminho da altíssima pobreza para ser pobre como o Filho de Deus. Sabemos que ele viveu radicalmente e de um jeito único a pobreza em espírito e a pobreza material. Mas isso não nos impede de procurarmos ser capazes de vivê-la. Será que não está na hora de nós, frades, sermos mais pobres, não diante de nossos próprios conceitos e parâmetros, mas diante da pessoa de nosso Senhor Jesus Cristo? De viver com sobriedade e simplicidade? De ser livres diante de uma sociedade que põe no consumismo uma maneira de ser e de viver para ser feliz? De ser uma presença constante junto aos pobres de nosso tempo? São perguntas que tocam fundo o meu coração franciscano e mexem com meus pensamentos.
Vivemos tempos difíceis e repletos de desafios que nos interpelam fortemente a cada momento. Somos interpelados quanto à nossa forma de vida franciscana e quanto à nossa disposição em vivê-la com amor e fidelidade para com Deus, para com a Igreja, para com todas as pessoas e para com todas as criaturas. No tempo do Seráfico Pai São Francisco de Assis, também ele se sentiu desafiado e inquieto, frente aos desafios próprios do século XIII.
Contemplando a sua opção radical pela pobreza, podemos aprender que a pobreza é o permanente esforço de remover as posses e os interesses de qualquer tipo para que daí resulte um coração pobre, capaz de viver, franciscanamente, a verdadeira fraternidade. Ser radicalmente pobre para poder ser plenamente irmão: este é o projeto criado pelo Seráfico Pai São Francisco de Assis. Daí a importância da radical pobreza e do amor para com ela. A ela se chega pela corajosa e teimosa vontade de ser a cada dia mais imitador de nosso Senhor Jesus Cristo. É preciso nutrir em nosso coração franciscano os mesmos sentimentos d’Ele. É querer conhecê-lo e poder dizer como o Pobrezinho de Assis: “Conheço Jesus pobre e crucificado e isto me basta”.
São Boaventura, em sua “Legenda Maior”, narra o seguinte fato: “Aconteceu, certo dia, quando Francisco participava devotamente da santa Missa em honra dos Apóstolos, escutar aquele Evangelho onde Cristo manda os seus discípulos para anunciar a boa nova com o preceito de não levar nem ouro nem prata, nem dinheiro no cinto, nem bolsa, nem duas túnicas, nem sapatos, nem um bastão pelo caminho. Amando a pobreza, Francisco alegrou-se imensamente e exaltou: ‘Isto é que desejo, isto aspiro no íntimo do meu coração’. E imediatamente tirou os sapatos, jogou fora o bastão, vestiu uma túnica áspera, cingindo-se com uma corda”2.
Desejar ardentemente viver a pobreza com a mesma radicalidade do Seráfico Pai São Francisco de Assis deveria ser o fundamento do nosso querer. Decerto, conseguiríamos entender e aprender que a verdadeira pobreza está na atitude interior, que consiste em receber de Deus, dia a dia, o que ele concede e até mesmo o inesperado. A Pobreza, quando bem vivida, proporciona-nos uma confiança total em Deus. E é a confiança total em Deus que enche nossa vida da perfeita alegria, assim como encheu a vida do Pobrezinho de Assis.
Todos nós sabemos que o voto de pobreza que professamos se torna um grande testemunho de uma vida vivida de forma simples, neste mundo materialista, consumista e egoísta em que vivemos. Voltemos a viver simplicissimamente a nossa vida de pobreza franciscana. Certamente ela libertará o nosso coração franciscano, nos fará dar sempre este bom testemunho de vida humilde e desapegada e nos levará para junto dos pobres, os preferidos de Deus. Já é tempo, eu digo para mim mesmo, de “franciscanar” pelos caminhos da pobreza evangélica, rumo ao coração de Deus e ao coração dos pobres da humanidade.
Nós, franciscanos, temos, por isso, uma grande dívida para com os homens e com as mulheres do nosso tempo: oferecer-lhes Nosso Senhor Jesus Cristo. O Seráfico Pai São Francisco conseguiu oferecê-lo, pois conseguiu assimilá-lo e reproduzi-lo na sua vida e na sua palavra. É uma pena que nós, os seus filhos, nem sempre queremos, verdadeiramente, imitá-lo. Quando isto acontece, Nosso Senhor Jesus Cristo fica na sombra de nossas omissões, de nossas indiferenças, de nossa falta de coerência e de nosso testemunho de vida nem sempre fundamentada no Evangelho. Acredito que muitos de nós estamos tentando pagar esta dívida. É um desafio que continua e que, tomara!, continue a incomodar-nos.
A nossa Ordem Seráfica respira pobreza, se adapta a ela, não a vive pelo simples interesse de se aproximar dos pobres e a eles pregar, nem a vive por necessidade de alcançar honrarias futuras, mas a vive, simplesmente, para atender aos apelos de Nosso Senhor Jesus Cristo e cada vez mais se parecer com Ele. Especialmente, parecer com Ele no seu entranhado amor e na sua compaixão pelos pobres. O santo Padre, o Papa Francisco, sonha com uma Igreja pobre e para os pobres. Ele falou: “A hipocrisia dos homens e mulheres consagrados que professam o voto de pobreza e, no entanto, vivem como ricos, prejudica a alma dos fiéis e prejudica à Igreja”3. Nós escolhemos viver como pobres e abraçamos livremente a pobreza. Esforcemo-nos para que o nosso coração franciscano não cometa esta e nenhum outro tipo de hipocrisia.
Para nós, franciscanos, a pobreza é uma feliz e libertadora herança. Em nossa Regra Bulada, podemos ler: “Esta é aquela sublimidade da altíssima pobreza que vos constituiu, meus irmãos caríssimos, herdeiros e reis do reino dos céus, vos fez pobres de coisas, vos elevou em virtudes. Seja esta a vossa porção que vos conduz à terra dos vivos. Aderindo totalmente a ela, irmãos diletíssimos, nenhuma outra coisa jamais queirais de baixo do céu em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo”4. Esta herança cria para nós um caminho de fraternidade pelo qual podemos sempre chegar ao coração dos pobres de nosso tempo. Por causa desta herança, aprendemos também que a nossa pobreza franciscana é o lugar exato para fazer acontecer a solidariedade. A pobreza franciscana é o lugar do encontro para com todos os pobres. No seu livro “Francisco de Assis e sua conversão”, o frade francês Pierre Brunette diz literalmente isto: “São os traços de Cristo que Francisco discerne no rosto de todo pobre que é encontrado. Assim, a pobreza é lugar de encontro, ao mesmo tempo que opção social”5.
Nós, franciscanos, podemos dizer que a verdadeira liberdade, trazida à nossa vida pela vivência radical da pobreza, não nos deixará jamais sermos aprisionados ao dinheiro e a nenhum outro bem material. Nós escolhemos a vida de pobreza, querendo o mínimo necessário para viver. Viver com o mínimo necessário e não com o máximo permitido. A nossa pobreza franciscana precisa cada vez mais ser um sinal de contradição a uma realidade na qual o pobre fica cada vez mais pobre e é excluído das mínimas garantias de
sobrevivência. A nossa pobreza franciscana precisa ser, interminavelmente, solidária com os pobres. Assim, ela será construtora do Reino da Vida, do Amor, da Justiça, da Paz e do Bem.
À guisa de conclusão desta humilde reflexão, quero citar um texto do frade Michel Hubaut, para a continuidade da nossa reflexão pessoal. Ele diz em seu texto: “A pobreza franciscana não é uma maneira de contestar o sistema da sociedade, nem uma estratégia apostólica, nem mesmo um ato de ascetismo. É antes de tudo um modo de andar na sequela de Cristo. É o caminho do Filho que nos revela a grandeza da altíssima pobreza. A primeira motivação do amor de Francisco pela Senhora pobreza é seu desejo de seguir o Cristo. A alma da pobreza franciscana é o amor, a imperiosa necessidade de se identificar com aquele que ele ama. Sua pobreza brota do amor que leva ao amor. Ele repete constantes vezes a seus irmãos envergonhados de pedir esmolas: “Bem amados irmãos, o Filho de Deus era mais nobre do que nós, por nós se fez pobre neste mundo. Por amor a Ele escolhemos o caminho da pobreza” (2Celano 74)”6.
Tomara que seja sempre o amor o motivo para amar e servir, a transbordar em nosso coração franciscano! Afinal, por amor a Deus e aos pobres, nós escolhemos viver a vida franciscana e o caminho da pobreza, que ela nos convida a viver com fidelidade. Busquemos força na oração de cada dia, feita com muita fé, para perseverarmos no caminho da Altíssima Pobreza. A experiência da oração e da contemplação fazia o Seráfico Pai São Francisco de Assis ser mais do que um orante, fazia ser ele um homem feito oração (2 Cel 95). E este era o grande segredo da sua pobreza. Ele, todo extasiado em Deus, pela oração contemplativa, nada mais desejava ter e querer. Deus era tudo para ele. Neste mundo embriagado pela vontade cada vez maior de acumular riquezas e poder, que Deus possa ser também para nós, franciscanos, o tudo em nossa vida! Que Deus seja nossa verdadeira riqueza e que os pobres ocupem, no nosso coração franciscano, o lugar que têm no coração de Deus!
Desejo que minhas humildes palavras, talvez, lhes sirvam para um bom momento de reflexão. Se assim for,
Boa reflexão, então!
Convento São Francisco, Campo Grande, MS, 25 de junho de 2020.