Frei Rogério Viterbo de Sousa, OFM
A pandemia tem mudado muita coisa ao nosso redor, desde as nossas relações sociais à nossa fé. Depois de mais de um ano, esta pandemia ainda não foi vencida, infelizmente. Ela provocou tantas mudanças no mundo e na convivência humana! O que não mudou nestes tempos foram as incertezas no coração da gente, a sensação de impotência frente ao vírus da Covid-19, o medo, que ainda é grande, e a ansiedade para o recebimento da vacina.
No âmbito da nossa fé, estamos na iminência de iniciarmos a Quaresma. A Quaresma é um tempo de graça, onde Deus nos convida insistentemente à conversão do coração e a viver a nossa vida com mais santidade e fraternidade. Neste tempo quaresmal, somos convidados a fazer penitência, sobretudo aquelas já praticadas há tempos na vida da Igreja: a oração, o jejum e a esmola.
Cito aqui um trecho de uma homilia do século II: «É bom dar esmola como penitência dos pecados; o jejum vale mais que a oração, mas melhor que ambos é a esmola. A caridade cobre a multidão dos pecados, e a oração feita com intenção reta livra da morte. Bem-aventurado aquele que for achado perfeito nesta prática, porque a esmola redime o pecado».
Neste tempo pandêmico, quantas pessoas carecem da prática constante da caridade, realizada por qualquer pessoa, especialmente por quem realmente tem fé e busca viver diariamente sua conversão!
Precisamos deste tempo sagrado da Quaresma, o tempo favorável, em que somos convidados pela Palavra de Deus e pela Igreja a sairmos do nosso comodismo e do nosso egoísmo, que enfraquecem a vida e o amor verdadeiro.
O jejum e a abstinência nos ajudam a renunciar a nós próprios, para nos doarmos a Deus e aos nossos irmãos e irmãs. A oração nos leva a colocar a nossa vida nas mãos de Deus e a compreender sua vontade e, desta maneira, poder realizá-la com alegria de alma e de coração. Através da oração, somos inundados pela certeza do Amor infinito e incondicional de Deus por nós e, movidos por este Amor, somos chamados
a viver para amar e para servir. A esmola que oferecemos faz crescer a caridade em nossa vida, cada vez que a concretizamos na vida das pessoas a quem a ofertamos. Devemos sempre realizá-la de graça, sem interesse de receber nada de volta, sem egoísmo, sem esperar nenhum tipo de recompensa. Do jeito franciscano, devemos realizá-la em atitude de compaixão e de amor.
Creio, piedosamente, o quanto é bom aceitar o convite do Senhor ao jejum, à esmola e à oração. Vale lembrar que o Senhor nos convida também à conversão, à mudança de vida, ao arrependimento, ao perdão e à misericórdia. Aprendemos da Palavra de Deus: “Arrependei-vos e acreditai no Evangelho” (Mc 1,15) e “Em nome de Cristo, suplicamo-vos: reconciliai-vos com Deus” (2Cor 5,20). Por isso, não podemos fechar o nosso coração. É este o tempo favorável! Como nos ensina o Santo Padre, o Papa Francisco: “A Quaresma é um chamado para parar, ir ao essencial, jejuar do supérfluo que distrai. É um despertador para a alma”.
De alma desperta, queremos viver uma Quaresma autenticamente cristã. Sabemos que, se assim for, ela nos ajudará a redescobrir a nossa identidade batismal, o ideal de santidade e de compromisso de praticar a fé que o Batismo comporta. As práticas quaresmais, inspiradas na sabedoria do Santo Evangelho, são necessárias para todos nós que neste mundo vivemos, a todo o momento, tentados pela febre do consumismo, do materialismo, do poder, do prazer, do dinheiro e do egoísmo. Somente vivendo, a cada dia, o dom da nossa conversão pessoal, conseguiremos, de fato, promover um estilo de vida mais fraterno, mais simples, sóbrio, saudável e solidário, logo, bem mais feliz.
Quanto às nossas fragilidades e pecados, o tempo da quaresmal é especialmente o tempo propício para identificarmos nossas próprias misérias e, movidos pela graça de Deus, certamente, poderemos superá-las. E aqui faço questão de lembrar o Sacramento da Reconciliação ou Confissão, que é um instrumento que precisamos sempre valorizar e aproveitar, de forma especial, neste tempo de conversão, que é proposto pela dinâmica quaresmal.
Desejo que todos vocês, irmãos e irmãs, aproveitem este tempo quaresmal para caminhar ao encontro de Nosso Senhor Jesus Cristo e a deixar-se encontrar por Ele. Não deixemos que esta pandemia e este vírus nos arrastem e nos prendam às trevas do medo e do comodismo. Que o distanciamento físico, tão importante, justo e necessário neste momento histórico, não nos afaste da caridade fraterna, tão urgente frente à fome e aos sofrimentos de tantas pessoas! Em vez do medo, da insegurança, das incertezas, desejo profundamente que a nossa sincera reflexão durante esta pandemia desperte, ainda mais, em todos nós o santo temor de Deus e também a nossa responsabilidade no cuidado da vida, pois teremos de responder diante de Deus pelo que fazemos da nossa vida e da vida dos nossos irmãos e irmãs.
Não derroguemos este tempo quaresmal na liturgia diária de nossa vida! Não tenhamos medo de nos converter! O Senhor está conosco, nós cremos! Testemunhemos a todas as pessoas: “O Senhor é bom, um refúgio em tempos de angústia. Ele protege os que nele confiam” (Na 1,7).
Recordemo-nos de olhar para Nosso Senhor Jesus Cristo Crucificado-Ressuscitado! Ele deu sua vida por nós! Ele vive e nos quer sempre vivos! Este triste momento pandêmico vai passar! Amanhã será melhor, se nos confiarmos a Ele e, movidos por sua graça, fizermos a nossa parte. Nossas atitudes do cotidiano sejam espelhadas neste nosso caminhar de fé com Nosso Senhor Jesus Cristo vivo em nós! Não somos portadores do medo, mas da esperança, do amor, da paz e do bem. Procuremos um pouco mais o silêncio! E que esta nossa atitude não seja jamais uma fuga das nossas responsabilidades frete a tudo isso!
Que, a exemplo do Seráfico Pai São Francisco de Assis, saibamos viver diariamente em estado de conversão e que tenhamos compaixão por todas as pessoas e também por todas as criaturas! Que saibamos, como ele, ter os mesmos sentimentos de Nosso Senhor Jesus Cristo que, fiel ao Pai, nos amou com extremo amor, dando a própria vida para que tivéssemos vida e vida em plenitude (cf. João 10,10)!
Franciscanamente, desejo a cada irmão e a cada irmã uma santa e profícua Quaresma! Que todos nós possamos ter, após esta caminhada quaresmal, uma Páscoa repleta de Esperança, com dias melhores e com o fim desta pandemia, se Deus quiser!
Que o Senhor nosso Deus volte para nós o seu olhar e nos conceda a paz e a proteção! Que Nossa Senhora de Lourdes nos ajude a viver, com fé maior e coragem, esta Quaresma, que é uma grande oportunidade de conversão que o Senhor nos dá e que nós devemos aproveitar da melhor maneira possível!
Desejo que minhas humildes palavras, talvez, lhes sirvam para um bom momento de reflexão. Se assim for,
Boa reflexão, então!
Convento São Francisco, Campo Grande, MS, 11 de fevereiro 2021.
Festa de Nossa Senhora de Lourdes