Frei Rogério Viterbo de Sousa, OFM
“Senhor, fazei-me pessoa segundo o vosso coração” (São Pedro de Alcântara)
Cada vez mais estou convencido de que escrever faz bem para a alma e para o coração. Mesmo não sendo um profissional na arte de escrever, sigo me aventurando pelo mundo das idéias para tornar realidade escrita o que meu coração franciscano acredita. À medida que uma maior maturidade vai tomando conta de nossa vida, vamos aprendendo novas lições, novas verdades e novos sentidos. Neste processo de um constante aprendizado, vamos simplesmente aprendendo a aprender. De modo particular, aprendi, desde tenra idade, que tudo começa no coração. Aprendi que o coração engloba toda a dimensão da nossa humanidade. Não o coração como símbolo de um poético romantismo ou coisa assim, mas como a fonte e a força que move as nossas intenções e ações. Sempre me causou uma admiração e inquietação saber que o coração é mencionado mais de mil vezes na Bíblia (853 vezes no Antigo Testamento e 156 no Novo Testamento). Mas também sempre me perguntei: o que exatamente seria o coração, espiritualmente falando? Pergunta para mim muitas vezes pertinente e insistente no meu pensamento.
Nos tempos bíblicos, pensava-se que nossas decisões, sentimentos e processos de pensamento vinham do coração. Penso que o coração, na Bíblia, foi pensado para controlar todas as decisões a serem tomadas. Então, quando lemos sobre o coração, na Bíblia, devemos entender que é sobre o lugar onde se tem a vontade, as atitudes e as intenções. É também a fonte dos pensamentos, das ações e das palavras. Segundo Xavier Léon-Dufour (Paris, 7 de março 1912 – 13 de novembro de 2007), um religioso, estudioso e teólogo bíblico jesuíta francês: “O mistério interior do ser humano, tanto na linguagem bíblica como na não bíblica, se expressa com a palavra coração”. Isso é o que eu também acredito e concordo.
De acordo com o ensinamento bíblico, o coração tantas vezes pode também revelar-se como imagem de amor, de humanidade, de entranhas compassivas. Nós aprendemos a identificar isso nas pessoas, especialmente naquelas que julgamos ter um bom coração e ter atitudes de profunda misericórdia. Dizemos que estas pessoas têm um “coração de ouro” ou outras coisas parecidas.
O coração é o núcleo de quem nós somos como pessoas. Meu coração sou essencialmente eu e o seu coração é essencialmente você. Quando compreendemos desta maneira, descobrimos a real necessidade de cuidar bem do nosso coração e, espiritualmente falando, cuidar dele com todo desvelo possível. Em Provérbios, encontramos uma boa recomendação de cuidado para com o nosso coração: “Com todo o cuidado guarda teu coração, pois dele procede a vida”1.
Estamos no mês dedicado ao Sagrado Coração de Jesus. O Sagrado Coração que não desiste e não se cansa jamais de nos Amar. O Divino Mestre do amor, o nosso Senhor Jesus Cristo, dava decisiva importância ao coração em seus ensinamentos de Vida e Salvação: “a boca fala daquilo que está cheio o coração”2; “Bem- aventurados os puros de coração, porque verão a Deus”3; “Onde está teu tesouro, ali está teu coração”4. Jesus vivia a partir de seu Sagrado Coração e contagiava com a força poderosa de seu Amor infinito e da doação de sua própria Vida. Sempre me causou alegria e paz ler o nosso Senhor Jesus Cristo dizendo: “Aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração”5. Ele era chamado por Deus Pai a viver eternamente no coração de toda a humanidade, especialmente no nosso coração. Ele nasceu com um coração humano e absolutamente divino. Ele nos ensinou que quanto mais formos humanos e capazes de humanizar-nos, através da vivência do verdadeiro amor, tanto mais seremos divinizados pelo seu amor. Deus é Amor e isto nós cremos com a fé maior que norteia a nossa vida de sentidos e ensina o nosso coração a arte de viver para amar e servir. Não podemos nos esquecer, de acordo com o ensinamento de nosso Senhor Jesus Cristo, que o amor é e sempre será o que norteia o nosso coração para a humanização, a espiritualização, para a felicidade e, irresistivelmente, para Deus.
Lendo o comentário dos Salmos em Santo Agostinho, refleti por horas uma de suas afirmações, onde o Doutor da Igreja dizia que o coração humano é criado por Deus. Assim, ele afirmava: “Com a mão da sua graça, com a mão da sua misericórdia, Ele formou os corações, criou os nossos corações, formou- os um a um, dando a cada um de nós um coração, contudo, sem destruir a unidade”6. Deus criou o nosso coração humano para que? Fiz-me esta pergunta. Partindo da minha compreensão franciscana, respondi para mim mesmo com toda certeza, dizendo com o meu coração franciscano: “Deus criou o nosso coração para amá-lo e para amar os nossos semelhantes. Criou o nosso coração para buscá-lo”. Eu bem sei, por experiência de fé, que o coração humano procura Deus constantemente. Sei também que esta procura toma muitas formas e várias direções. Felizes aqueles e aquelas, assim como eu, que reconhecem a natureza do seu desassossego e orientam o seu coração e a sua vida para a procura de Deus. Sabemos que Deus se deixa encontrar por um coração que ama verdadeiramente. Esta certeza podemos lê-la na Bíblia Sagrada: “Então dali buscarás ao Senhor teu Deus, e o acharás, quando o buscares de todo o teu coração e de toda a tua alma”7. E o encontrar a Deus não é o fim, mas sim o começo de uma vida plena.
Confesso que sempre rezei pedindo a Deus a graça de podermos ter um coração semelhante ao Sagrado Coração de Nosso Senhor Jesus Cristo. Hoje continuo pedindo a Ele a graça deste novo coração. Um coração que seja mais humano e humanizado, capaz de sempre amar, de servir, de perdoar, de acolher o perdão, de reconhecer os próprios erros, as limitações e de colocar-se dentro do Sagrado Coração de nosso Senhor Jesus Cristo. Assim, na sua graça, a cada dia poder recomeçar, com a firme disposição para amar e, desta maneira, acolher o Espírito Santo que Ele mesmo sopra dentro de nosso coração.
Quem de nós não sente vibrar o coração perante a experiência profunda de um doce encontro com o amor de Deus? Por isso, eu digo novamente, que fomos criados para o amor, e o amor é a razão de nosso coração e de nossas atividades e de toda a nossa vida (cf. 1Cor 13). Não podemos jamais nos esquecer desta verdade tão profunda.
O nosso Seráfico Pai São Francisco de Assis tinha um coração semelhante ao Sagrado Coração de Jesus. Eu creio firmemente nisto. Ele era capaz de amar sempre com amor verdadeiro a Deus, os leprosos, os pobres, todas as pessoas e todas as criaturas. O itinerário de nossa vida franciscana conduz para este jeito de amar franciscanamente. Amar pelo caminho da renúncia, pelo caminho da fraternidade, pelo caminho da minoridade e pelo caminho da santa pobreza, pela qual se pode despojar-se de tudo para oferecer tudo, isto é, para oferecer sempre e somente o amor e para deixar Deus ser em nosso coração sempre Tudo!
Deus foi para São Francisco “o Bem, todo o Bem, o sumo Bem, o Bem universal”8. Um franciscano, por isso, deve querer amar com todo o coração e com toda a alma. Deus é a sua aposta, pois Ele é a Vida da sua vida. Penso que nós, franciscanos, podemos amar a cada dia desta maneira, se colocarmos em prática o nosso coração, que, por bondade de Deus, se tornou um coração franciscano.
Quero, antes de concluir estas linhas repletas de simplicidade e de sinceridade em cada palavra escrita, pedir a Deus, pela poderosa intercessão de nosso Seráfico Pai São Francisco de Assis, a graça da conservação do coração sempre franciscano pulsando em nosso peito. Ouso com tamanha fé, pedir esta graça rezando uma oração que há tempos escrevi:
“São Francisco de Assis, santo amado por Deus, irmão de todas as pessoas, irmão do sol, irmão da lua e de todas as criaturas, que beleza de vida foi a tua! Deus encontrou lugar em teu coração e o milagre da fraternidade universal aconteceu então!
Poder hoje te seguir é viver um lindo ideal, repleto de amor fraternal. Ideal que leva as pessoas a compreender que a mais importante missão humana é, simplesmente, amar; que as leva também a perceber o amor de Deus, através deste santo propósito, que insiste em amar na gratuidade a cada uma das pessoas e a todas as criaturas. Este santo propósito é justamente a maneira que aprendi para vencer todos os obstáculos e sempre acreditar na beleza da vida. Ele conserva em minha vida a certeza e a alegria de poder ter, por graça de Deus, um coração franciscano.
Um coração franciscano que acredita com vigor, na força da paz, capaz de vencer sem armas a idiotice da guerra, planejada e provocada pela ganância de pessoas, movidas por atitudes irracionais e sem amor para consigo mesmas e para com a vida, dom de Deus. Um coração franciscano que acredita na força do amor, capaz de acabar com todas as formas de ódios e violências, que impedem as pessoas de ver no seu irmão e na sua irmã a imagem e semelhança de Deus. Um coração franciscano que procura praticar somente o bem, que põe fim ao mal existente neste mundo tão acostumado a ser injusto, desigual e egoísta. Um coração franciscano que faz do perdão um meio de profunda conversão e reconciliação e que, pela vivência sincera da fé, faz da vida uma oração de louvor a Deus. Um coração franciscano repleto de fraternura, que partilha constantemente o milagre da amizade e por meio dele procura fazer o amor de Deus presente no coração da humanidade.
Ó São Francisco de Assis, arauto da paz, trovador de Deus, como Jesus Crucificado te pediu, aquele dia na Igreja de São Damião, para reconstruir a sua Igreja, hoje humildemente te peço: reconstrói a “igreja do coração humano”, que está em ruínas e sem esperança. Coração que não consegue mais sonhar e, por isso, não acredita mais ser possível a construção da civilização do amor. Apesar das minhas limitações e fraquezas, eu quero seguir Nosso Senhor Jesus Cristo, como Tu seguiste, São Francisco de Assis, com toda a minha alma, com todas as minhas forças e com toda a alegria do meu coração franciscano.
Como Tu, quero ser um instrumento da paz, do bem, da esperança, da justiça, da união, da concórdia, enfim, do amor. Acredito plenamente ser possível fazer o mundo voltar a ser mais irmão e as pessoas voltarem a ser mais gente, através da capacidade de amá-las incondicionalmente, como Jesus amou e te ensinou a amar, e como eu, movido pelas razões do meu coração franciscano, desejo cada vez mais amar.
Conta sempre comigo. Conta também com o meu sorriso, com a minha alegria, com a minha esperança, com a minha ternura, com a minha vocação. Que Deus conserve em meu coração franciscano este santo propósito, que me faz feliz por ser um frade franciscano. Hoje e sempre, louvado seja Deus pelas maravilhas realizadas em tua vida, querido São Francisco de Assis!”.
Desejo que minhas humildes palavras, talvez, lhes sirvam para um bom momento de reflexão. Se assim for,
Boa reflexão, então!
Convento São Francisco, Campo Grande, MS, 09 de junho de 2020.