Frei Rogério Viterbo de Sousa, OFM
Certa vez, atendi a confissão de uma senhora e foi um momento de um singelo aprendizado para mim. Depois de ouvi-la e de dar-lhe a absolvição, ela me agradeceu e disse-me: “Onde está um frade franciscano, está também à alegria; por sinal, está a perfeita alegria”. Dito isto, ela acenou para mim e, com um sorriso de gratidão, foi fazer suas orações na igreja.
Aquelas palavras não saíam do meu pensamento. Um misto de surpresa e felicidade tomaram conta do meu coração franciscano. Que bom saber que uma pessoa simples, aquela senhora, sentia em nosso testemunho de vida franciscana a presença da perfeita alegria. Lembrei-me do capítulo 88 da segunda vida de São Francisco de Assis, segundo Tomás de Celeno, onde ele escreve sobre “a alegria do espírito e seu louvor, e sobre o mal da acídia”.
Já em casa, depois de um dia atarefado e cansativo, como de costume, fui fazer a minha leitura espiritual. Reli novamente o texto de Tomás de Celano, capítulo 88. Durante a leitura, fui me dando conta da importância de se conservar a perfeita alegria e evitar, com toda força, a tristeza e também a acídia. Gostaria de citá-lo na íntegra, para apenas oferecer uma oportunidade de relembrá-lo. O texto diz: “O santo garantia que o remédio mais seguro contra as mil armadilhas ou astúcias do inimigo era a alegria espiritual. Costumava dizer: “A maior alegria do diabo é quando pode roubar ao servo de Deus o gozo do espírito. Carrega um pó para jogar nos menores meandros da consciência, para emporcalhar a candura da mente e a pureza de vida. Mas quando os corações estão cheios de alegria espiritual, a serpente derrama à toa o seu veneno mortal. Os demônios não conseguem fazer mal ao servidor de Cristo quando o vêem transbordante de santa alegria. Mas quando o ânimo está abatido, desolado e melancólico, é facilmente absorvido pela tristeza ou então é dominado pelos falsos prazeres”. Por isso o santo se esforçava por viver sempre no júbilo do coração, conservando a unção do espírito e o óleo da alegria. Evitava com muito cuidado a horrível doença da acídia, a tal ponto que, era só sentir fraquejar um pouco, ele já corria a rezar. Dizia: “O servo de Deus perturbado por alguma coisa, como acontece, deve levantar-se quanto antes para rezar, e ficar firme diante do Pai supremo até que lhe devolva sua alegria salutar. Porque, se demorar na tristeza, fará desenvolver-se esse mal babilônico que, no fim, se não for lavado pelas lágrimas, acabará deixando no coração uma ferrugem permanente”1.
Partindo da minha limitada compreensão e reflexão, fiquei pensando que o Seráfico Pai São Francisco de Assis jamais queria que um frade perdesse o dom da perfeita alegria no seu coração franciscano. E então, nos dias atuais, como poderíamos compreender um frade que vive sem alegria, aprisionado pela tristeza e escravizado pela acídia? Como explicaríamos a falta de alegria em sua vocação franciscana? Será que ele perdera o encanto pela vida franciscana e também a vontade de servir? Digo que não sei como responder. O que sei é que a nossa vocação franciscana é um dom de Deus e que existe para fazer ser muito feliz quem a vive e quem busca vivê-la para servir, fazendo a todos sempre felizes. Fiquei pensando um longo tempo a respeito da importância da perfeita alegria na nossa vida franciscana.
Antes de continuar a minha reflexão, através deste texto feito de simplicidades, penso eu que seria bom esclarecer o que é a acídia e que ela não é o mesmo que preguiça. Fiz uma pesquisa na biblioteca do convento e encontrei uma explicação razoavelmente clara: “Não são exatamente a mesma coisa, pois a acídia se refere a um estado de ânimo mais ou menos estável, enquanto a preguiça se refere a uma das suas formas de manifestação, ou seja, as ações exteriores, principalmente no âmbito do trabalho”2.
A acídia aparece hoje para muitas pessoas como um pecadilho simpático e inofensivo. Mas é bom saber que ela é coisa séria, é pecado, provoca a tristeza pelo bem espiritual e a acidez, a queimadura interior do ser humano que recusa os bens do espírito. Ela se contrapõe à alegria espiritual, que nasce do amor e se regozija somente em Deus e nas coisas divinas.
Lendo o Catecismo da Igreja Católica, encontrei ainda: “A acídia ou preguiça espiritual chega a recusar a alegria que vem de Deus e a rechaçar o bem divino”3. Ou, mais concretamente, no contexto das tentações contra a oração, dirá também: “a acídia… é uma forma de depressão devida ao relaxamento da ascese, à diminuição da vigilância, à negligência do coração”4.
Já dizia Santo Tomás de Aquino que “Ninguém pode morar na tristeza”. Eu comungo desta verdade. Para vencer a acídia, penso, portanto, ser necessário saber resistir, ou seja, pensar nos bens espirituais e, assim, eles se tornarão mais prazerosos para nós. E é isso o que se procura fazer na oração que devemos rezar a cada dia com emoção e fidelidade! Para superar a acídia, não há outro caminho a não ser o de uma oração fiel, perseverante e humilde, que procura considerar todos os bens divinos. Não é à toa que era exatamente isto que o Seráfico Pai São Francisco de Assis corria para fazer, quer dizer: corria para rezar sempre.
Retomando a minha reflexão, cresci ouvindo que cada manhã é uma nova oportunidade de recomeçar e de lutar, como diz Santo Agostinho: “Enquanto houver vontade de lutar, haverá esperança de vencer”. Para mim, este é o segredo que pode ajudar a recomeçar. Lutar sempre e com alegria! Quem luta consegue recomeçar. O recomeço é uma necessidade constante, especialmente em nossa vida franciscana. Nosso Seráfico Pai São Francisco lembrava aos frades, no momento em que celebrava sua páscoa, a importância de começar sempre de novo: “Meus irmãos, comecemos a servir ao Senhor, porque até agora bem pouco fizemos”5. Para isso, é preciso muita fé, oração e vivência de nossa espiritualidade franciscana. Sem fé, sem oração e sem o fundamento da nossa espiritualidade bem vividos, nós ficamos paralisados, acomodados e nos tornamos negligentes. No itinerário da vida franciscana, é vital que saibamos recomeçar a partir de Nosso Senhor Jesus Cristo. Afinal, apesar dos nossos erros, pecados e infidelidades, Ele sempre nos estende a sua mão misericordiosa, recupera o dom da nossa perfeita alegria e arranca de nossa vida a acídia.
As fugas, as insanas escapadas que podemos realizar dos momentos, tanto pessoais como comunitários, de oração e o descuido de nossa vocação franciscana jamais serão coisas boas e, por isso, é sempre oportuno voltarmos às fontes de nossa espiritualidade, a fim de que possamos recomeçar a partir de Nosso Senhor Jesus Cristo, pelo encontro com sua Pessoa que nos diz: “Não tenhais medo!”6, “Coragem, Eu venci o mundo!”7.
Não podemos ter medo de recomeçar a cada dia e sempre que for necessário. Mesmo diante de cada erro, tenhamos a consciência de que os pecados que cometemos não podem tirar de nós a nossa teimosia franciscana, que nunca nos deixa desistir de nos levantar com a certeza de que o Senhor nos permite a graça de recomeçar. Acredito que nós, frades, temos o nosso coração franciscano repleto da perfeita alegria, do amor fraterno, da humildade, da paz, do bem, da santa ousadia e da coragem. Por falar em coragem, é justamente ela que tem o poder de nos fazer compreender que nossa vocação franciscana não foi feita para ser vivida na acomodação, no derrotismo, na omissão, na tristeza, na acídia e na preguiça. Eu sei que não. Viver assim é incompatível com o nosso jeito franciscano de viver a vida com a esperança infinita e com a perfeita alegria.
Precisamos testemunhar a nossa identidade e a nossa vocação de frade menor, fazendo da nossa vocação franciscana um caminho especial e feliz de seguimento fiel de Nosso Senhor Jesus Cristo, como nos ensinou o Seráfico Pai São Francisco de Assis. Desejo, verdadeiramente, que nossa espiritualidade franciscana seja hoje e sempre o oxigênio da nossa vocação de frade menor. Não podemos ignorar que não existirá perfeita alegria e nem profundidade em nosso testemunho sem a oração. Talvez o segredo de nosso testemunho vivendo a perfeita alegria seja, simplesmente, a oração. É dela que vivem os dois outros elementos importantes de nossa espiritualidade franciscana: a fraternidade e a missão. Não nos esqueçamos disto! É
tempo de sermos um pouco mais presença de perfeita alegria na vida do mundo e de todas as pessoas, nossas irmãs. Como aquela senhora, no começo deste texto, desejo que todas as pessoas continuem sentindo a presença da perfeita alegria em nossa vida de frade menor, hoje e sempre!
Desejo que minhas humildes palavras, talvez, lhes sirvam para um bom momento de reflexão. Se assim for,
Boa reflexão, então!
Convento São Francisco, Campo Grande, MS, 13 de maio de 2020.
Festa de Nossa Senhora de Fátima