Missão Franciscana do MT e MS

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Mensagem do Custódio › 17/12/2020

Palavras do coração franciscano – Ver com o coração franciscano!

Quais são os ensinamentos de São Francisco de Assis?

Ver com o coração franciscano!

Frei Rogério Viterbo de Sousa, OFM

A vida é uma ótima oportunidade, como diz o poeta Manoel de Barros1, de “aprendimentos”. Creio que, especialmente, “aprendimentos” daquilo que é essencial. Por falar em essencial, lembro-me, numa explosão de certezas, um dos “aprendimentos” que trago vivo na minha memória. Quanta felicidade senti no meu coração franciscano, quando li pela primeira vez que “Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos”. Fiquei extasiado! Era justamente isto que o meu coração franciscano me fazia acreditar e ver!

Esta frase foi publicada no livro “O pequeno príncipe” de Antoine Saint’Exupéry. “Este clássico da literatura mundial foi lançado no dia 6 de abril de 1943, em Nova Iorque. Saint Exupéry nasceu em Lyon, na França, no dia 29 de junho de 1900, era filho de um casal de condes e sempre foi apaixonado por aviação. Pouca gente sabe que o livro foi escrito em Nova Iorque porque o autor encontrava-se exilado na cidade. Antoine de Saint-Exupéry viveu durante dois anos na América, antes da Segunda Guerra Mundial. A publicação francesa só surgiu três anos depois da versão americana, no ano de 1946. Pouco se sabe da morte de Saint-Exupéry, ocorrida no dia 31 de julho de 1944, quando o autor tinha apenas 44 anos. A publicação traduzida para o português do Brasil foi feita em 1954, pelo monge beneditino Dom Marcos Barbosa, com base na edição francesa de 1945.”2

Depois de um pouco de informação sobre o livro e o seu escritor, quero refletir sobre ver o essencial, que só pode ser visto pelo coração. Para quem já leu este fascinante livro, assim como eu, uma dezena de vezes, sabe que esta frase foi dita pela raposa ao pequeno príncipe. Ele, logo depois de ouvi-la, repete a fala da raposa, de modo a fixá-la na sua mente. A passagem completa, que engloba esta frase, é a seguinte:

– “Adeus, disse a raposa. Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos.

–  O essencial é invisível para os olhos, repetiu o principezinho, a fim de se lembrar”.

 Seguindo o pensamento desta citação de Saint-Exupéry, podemos intuir que o essencial é tudo aquilo que não pode ser tocado e sim sentido, como o amor, a amizade, a gratidão, a esperança, o caráter, a alegria. O essencial é tudo aquilo que realmente importa e dá sentido a nossa vida. Entretanto, muitas vezes, desperdiçamos nossa energia supervalorizando as coisas visíveis, que, embora sejam necessárias para nossa vivência, nunca deveriam ser colocadas na frente daquilo que é verdadeiramente essencial.

Nós vemos, mas nem sempre enxergamos o essencial. Todos os dias, uma infinidade de realidades, situações e imagens entram pelos nossos olhos, mas nosso cérebro nem sempre consegue processar todas as informações. Então, nem tudo o que vemos de fato enxergamos. Além disso, não se trata apenas de ver com os olhos. Para nós, seria uma feliz obrigação poder ver com o coração franciscano, que Deus nos concedeu. Na nossa realidade, enxergar continuamente com o nosso coração franciscano. Os nossos olhos, muitas vezes, apenas veem o superficial que cerca a nossa vida. Talvez seja somente isto que nos acostumamos a ver. Por isso, penso que se usássemos coerentemente o nosso coração franciscano para ver além das aparências, certamente aprenderíamos ver e descobrir o que é essencial.

Carregamos em nosso coração franciscano a sublime certeza de que Nosso Senhor Jesus Cristo nunca deixa de ver-nos com infinito amor, mesmo que tenhamos pecado e mesmo apesar de nossas misérias que transparecem em nossa titubeante fidelidade. O seu olhar nos revela a direção por onde devemos seguir e arranca as trevas que nos impedem de vê-la.

Nosso Senhor Jesus Cristo, ao fixar seu olhar em cada um de nós, chamando-nos pelo nome, nos leva a fazer opções mais radicais e integrais pelo Reino de Deus, segundo o seu modo de ser, de viver e de fazer. Assim fez o nosso Seráfico Pai São Francisco de Assis. O Pobrezinho de Assis tinha o seu olhar sempre fixo n’Ele, o Senhor. Descobriu a felicidade de olhar para a frente e para o alto, a fim de enxergar a vida, as pessoas e todas as criaturas de acordo com a perspectiva de Deus. Aprendeu a ver o essencial, que por vezes estava estampado na urgente necessidade de socorro aos pobres, aos leprosos e aos necessitados de seu tempo.

Para ver o essencial, é necessário fixar o nosso olhar e o nosso coração franciscano em Nosso Senhor Jesus Cristo. O seu olhar transparente e livre ressuscita o nosso olhar tímido, imperfeito e estreito, nos capacitando para ver horizontes mais largos: ver o seu povo, ver o mundo repleto de injustiças e tantas tristezas e ver todos os excluídos… Seu olhar de infinito amor nos predispõe a encontrar motivações saudáveis e maduras que nos permitem ver e viver no contexto atual com verdadeiro amor, com fidelidade, com simplicidade, com entusiasmo e com criatividade.

Ver o essencial, ver o bem e desviar os nossos olhos da maldade é um alerta bíblico: “O olho é a luz do corpo. Se teu olho é são, todo o teu corpo será iluminado. Se teu olho estiver em mau estado, todo o teu corpo estará nas trevas. Se a luz que está em ti são trevas, quão espessas deverão ser as trevas”3. Esta atitude é importante para não ofuscarmos a luz divina que habita em nós. A partir da visão daquilo que escolhemos ver, podemos trazer a claridade para dentro de nós ou atrair as trevas e o pecado.

Nosso Senhor Jesus Cristo abriu a vista a muitos cegos, mas havia muitos que o rejeitaram e não quiseram ver o essencial e a realidade que Ele trouxe para o mundo: a necessidade de voltar os olhos, a vida e o coração para Deus.

Bem aventurados seremos nós, porque, se de fato aprendemos do Seráfico Pai São Francisco de Assis a arte de voltar-nos inteiramente para Deus, seremos capazes de ver com o nosso coração franciscano, para muito além das aparências. Nestes tempos difíceis, o mundo precisa de pessoas que ajudem a vida a se tornar menos densa, menos pesada, menos triste, menos má, menos superficial e menos sem graça. Podemos, franciscanamente, ser essas pessoas que ajudam a felicidade a chegar a todos os corações. Afinal, cremos que toda pessoa merece ser feliz. Não importa a sua situação ou condição social, merecem ser felizes.

Sabemos da complexidade da vida. Como dizia Guimarães Rosa: “A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”4. Temos que ter coragem para aprender a ver o essencial e vê-lo com o nosso coração franciscano. Mas existe um problema corriqueiro em nossa vida. O grande problema é que estamos sempre ocupados demais para perceber as alegrias e as belezas que a vida proporciona. Possuímos uma cegueira seletiva, que não nos permite ver o que é essencial na vida.

Vale lembrar que pessoas que só veem o que querem ver, com facilidade se decepcionam e se frustram. Cedo ou tarde, a vida nos cobrará pela nossa incapacidade de ver o essencial. Ver o essencial é uma realidade possível, singularmente para o nosso coração franciscano. E alguém pode se perguntar: como se consegue ver o essencial com o coração franciscano? Penso que seria somente pôr em prática os “aprendimentos”, herdados de nosso Seráfico Pai São Francisco de Assis. Na ousadia, colocá-los em prática com toda a coragem e deste modo o nosso coração franciscano saberá ver o essencial.

Assim, descobriremos que ver o essencial consiste, justamente, nesta coragem que nunca nos deixa de querer ver a vida, as pessoas e todas as criaturas a partir da ótica do nosso coração franciscano. Se agirmos desta maneira, certamente conseguiremos ter e conservar a poesia nos olhos, veremos as belezas e veremos as felicidades escondidas em todos os corações.

Em nossa maneira franciscana de viver com fé incondicional em Deus e em seu Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, é que podemos seguir aprendendo a ver o essencial. Franciscanamente, queremos ver a presença de Nosso Senhor Jesus Cristo na vida e em todas as pessoas. E vendo com nosso coração franciscano, creio firmemente que nos tornaremos articuladores de sua missão e nos tornaremos também propagadores das suas graças. Vendo o essencial, seremos sempre capazes de partilhar com a humanidade a perfeita alegria de ser discípulos seus e de fazer parte do seu povo santo. Em cada encontro que temos com Nosso Senhor Jesus Cristo, Ele nos ensina a ver genuinamente. Ele nos abençoa e nos ensina sempre a ver o essencial com o nosso coração franciscano. Eis para nós sublimes “aprendimentos”. Entre tantos bonitos “aprendimentos”, este seja um a não ser jamais desaprendido. Digo mais uma vez: jamais desaprendido.

Que os olhos de Nosso Senhor Jesus Cristo estejam eternamente sobre nós! Que o Senhor nos ajude a ver a vida, todas as pessoas e todas as criaturas com os seus olhos misericordiosos e de acordo com a sua santíssima vontade! Seguramente saberemos, com o auxílio de suas bênçãos e graças, a todo o momento ver com o nosso coração franciscano o que é essencial.

Desejo que minhas humildes palavras, talvez, lhes sirvam para um bom momento de reflexão. Se assim for,

Boa reflexão, então

Convento São Francisco, Campo Grande, MS, 28 de julho de 2020.

 

1 Comentário para “Palavras do coração franciscano – Ver com o coração franciscano!”

  1. José Enrique Neves disse:

    Gostaria da opinião dos senhores. Existe um livro do Saint Exupéry intitulado o Místico sem Fé. Nele o autor diz que Saint Exupéry perdeu sua Fé aos 17 anos , será que perdeu a Fé em Deus e Cristo ou foi por sua decepção a igreja da época descrita como muito radical e fundamentalista?

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