São Francisco, já antes da conversão, quando se preparava para a viagem à Apúlia e desejava ser armado cavaleiro, teve um sonho. O Senhor lhe fez ver um palácio cheio de armas. Segundo São Boaventura (LM 1,3) “estavam assinaladas com a cruz de Cristo”, embora tal detalhe não tenha sido mencionado nem por Celano nem pelos Três companheiros. Certo é que, nos primórdios de sua conversão, Francisco teve um dos mais significativos encontros com a cruz, descrito com precisão tanto por São Boaventura (LM 2,1), quanto por Celano (2Cel 10-11) como também pelos Três Companheiros.
São Francisco certa vez, “passando perto de São Damião, o Senhor o Inspirou que visitasse aquela Igreja e orasse. Entrando, pôs-se em fervorosa oração diante da Imagem de um Crucifixo o qual piedosa e benignamente lhe falou: ‘Francisco. não vês que minha casa está em ruínas? Vai e restaura-a para mim’… Desde aquela hora seu coração tornou-se tão vulnerado e comovido, ao recordar a paixão do Senhor, que sempre enquanto viveu trouxe os estigmas do Senhor Jesus em seu coração como depois claramente se patenteou pela renovação dos mesmos estigmas maravilhosamente realizada em seu corpo… ” (cf. também 3Cel 2).
Santa Clara em seu Testamento (3-4) colocou também em grande evidência a importância decisiva do encontro de Francisco com a cruz. De fato, foi na Igreja de São Damião que o santo “foi movido pela graça divina de tal forma que se viu Impelido a abandonar totalmente o mundo”.
Um outro encontro, também dos mais significativos, foi aquele que se deu quando abriu o livro dos Evangelhos para conhecer a vontade de Deus a respeito do modo de vida que devia seguir com seus primeiros companheiros (LTC 27-29; cf. 2Cel 15; LM 3,3). “Transcorridos dois anos de sua conversão, certos homens começaram a se animar por seu exemplo e penitência e, rejeitando todas as coisas. uniram-se a ele. O primeiro foi Bernardo… “ . “Amanhã, bem cedinho, iremos à Igreja, e pelos Evangelhos saberemos o que o Senhor determinou a seus discípulos”. E assim, “no dia seguinte, muito cedo, levantaram-se, e juntos com outro que se chamava Pedro que também desejava ser seu irmão, foram à Igreja de São Nicolau, na praça da cidade de Assis… Terminada a oração, o bem-aventurado Francisco, tomando o livro fechado, e de joelhos diante do altar, ao abrir a primeira vez, encontrou este conselho do Senhor: ‘Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens, dá-o aos pobres. (Mt 19, 21).’O bem-aventurado Francisco ficou multo contente e deu graças a Deus. Mas como era verdadeiro adorador da Santíssima Trindade, quis que isso fosse confirmado com um tríplice testemunho. E abriu o livro pela segunda e pela terceira vez. Ao abri-lo a segunda vez encontrou o seguinte: ‘Não leveis nada no caminho…’ (Lc 9, 2); e na terceira , por fim, ‘Quem quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me’ (Mt 12, 24).
Francisco “…depois de ver manifestada a vontade divina, confirmando seu propósito e desejo anteriormente concebidos, disse aos já mencionados Irmãos Bernardo e Pedro: ‘Irmãos, esta é a nossa vida e a nossa regra e de todos os que quiserem unir-se a nós .. .”
Finalmente encontramos um encontro altamente significativo com a cruz: o Alverne, precedido também por uma tríplice abertura dos Evangelhos. O bem-aventurado Francisco, conforme a narrativa de Celano (1 Cel 91-93), “afastou-se das multidões … e procurou um lugar calmo, secreto, solitário (o Alverne) … Passado algum tempo neste lugar … repleto do Espírito de Deus estava pronto para enfrentar qualquer angústia do espírito, qualquer tormento do corpo, desde que lhe fosse concedido o seu ardente desejo: que se cumprisse nele a misericordiosa vontade do Pai celeste. Dirigiu-se um dia ao altar da entrada e tomando um volume em que estavam escritos os Evangelhos, colocou-o sobre o altar com toda reverência. Depois, prostrou-se em oração a Deus, não menos de coração do que de corpo, e pediu humildemente que o Deus de toda consolação se dignasse mostrar-lhe sua vontade… Levantando-se, depois da oração, com espírito humilde e ânimo contrito, fez o sinal da santa cruz, tomou o livro do altar e o abriu com reverência e temor. A primeira coisa que deparou ao abrir o livro foi a paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, no ponto que anunciava as tribulações por que deveria passar. Mas para que ninguém pudesse suspeitar que Isso tivesse acontecido por acaso, abriu o livro mais duas vezes, e o resultado foi o mesmo … São Boaventura precisa (LM 13,2): “Com fervorosa oração, pois, se preveniu e depois mandou um de seus companheiros, homem devoto e de grande santidade (Frei Leão) tomar o livro dos Evangelhos e abri-lo três vezes em honra da Santíssima Trindade. E como todas as vezes que se abriu o livro ocorreram as páginas em que se fala da paixão de Cristo, logo compreendeu Francisco que, da mesma forma como havia Imitado a Cristo nos principais atos de sua vida, assim também devia conformar-se com ele nos seus sofrimentos e dores da paixão” (Cf. também Considerações sobre os estigmas, 3).
A cruz é ainda para Francisco a fonte mais genuína da verdadeira e perfeita alegria. Na cruz ele encontra, de maneira ao mesmo tempo paradoxal e evidente, a expressão da maior das dores e do mais eloquente e sublime. A verdadeira e perfeita alegria brota tão-somente do verdadeiro e perfeito Amor.
Francisco é o santo da alegria na cruz. Basta prestar atenção na conclusão do diálogo com Frei Leão, ovelhinha de Deus, segundo a redação do belíssimo capítulo 8 dos Fioretti, que desenvolve, no estilo próprio deste livro imortal, um texto anterior, mais breve (cf. Ad 5): “…se suportamos todas estas coisas pacientemente e com alegria, pensando nos sofrimentos de Cristo bendito, pelo que devemos suportá-las por seu amor, ó Frei Leão, escreve que aqui e nisto está a perfeita alegria. Ouve, pois, a conclusão, Frei Leão: acima de todas as graças e dons do Espírito Santo, que Cristo concede aos seus amigos. está o vencer-se a si mesmo e de bom grado suportar sofrimentos, injúrias e dificuldades, pois de todos os outros dons de Deus não nos podemos gloriar … Mas na cruz da tribulação e da aflição, nessa sim podemos gloriar-nos; pelo que diz o Apóstolo: “Não quero gloriar-me a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo’…”
A cruz que Frei Silvestre viu sair da boca de Francisco “abraçava admiravelmente com seus braços todo o universo”. Realmente o santo meditava constantemente no fato de Jesus ter sido crucificado por todos os homens e muito lamentava ver que o amor não era conhecido por todos e por todos amado. E com o sinal-da-cruz enviou os seus frades por todas as partes a pregar o Evangelho a todas as nações, nas quatro direções dos braços da cruz!
O mistério da cruz, vivido intensamente por Francisco, se tomou a força da pregação de seus filhos e fonte de renovação para a Igreja. Merece menção o capítulo 16 dos Fioretti que não é apenas uma bela página literária, mas encerra em suas linhas um profundo mistério. Eis a conclusão do texto: “Finalmente, terminada a pregação (aos passarinhos), São Francisco fez sobre eles o sinal-da-cruz e deu-lhes licença de partir; e então todas aquelas aves em bando se levantaram no ar com maravilhosos cantos; e depois, seguindo a cruz que São Francisco fizera, dividiram-se em quatro grupos: um voou para o oriente e outro para o ocidente, o terceiro para o meio-dia, o quarto para o aquilão, e cada bando cantava maravilhosamente; significando que como por São Francisco, arauto da cruz de Cristo, lhes fora pregado e sobre eles feito o sinal-da- cruz, segundo o qual se dividiram, cantando pelas quatro partes do mundo; assim a pregação da cruz de Cristo, renovada por São Francisco, devia ser levada por ele e por seus irmãos a todo o mundo: os frades, como os pássaros, nada de próprio possuindo neste mundo, confiam a vida unicamente à providência de Deus”.
Dicionário Franciscano: Ignacio Omaechevarría
Fonte: Franciscanos – Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil (OFM)