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Artigos › 25/04/2022

Marcos e o Evangelho do caminho da esperança e da resistência

 

Frei Jacir de Freitas Faria 

O texto que inspira a nossa reflexão é Mc 16,15-20. A memória litúrgica de Marcos nos remete ao seu evangelho como caminho da esperança e da resistência. A passagem de Mc 16,15-20 é um acréscimo ao final do seu evangelho. O evangelista optou por encerrar a sua narrativa no versículo oito do capítulo dezesseis, no episódio do túmulo vazio, com a lapidar frase: “Elas (Maria Madalena, Salomé e Maria, a mãe de Tiago) saíram e fugiram do túmulo, pois um tremor e um estupor se apossaram delas. E nada contaram a ninguém, pois tinham medo….” (Mc 18,8). Marcos terminou desse modo o seu evangelho para criar um suspense diante da opção do silêncio feito pelas mulheres no caminho de retorno ao convívio dos apóstolos, após a morte de Jesus. Poderá também estar perdida parte do texto original, o que terá motivado outro redator a retomar as aparições do Ressuscitado às mulheres, mas sobretudo aos apóstolos, os quais são convocados a sair em missão: “Ide por todo mundo, proclamai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15).

Ainda que o modo de escrever seja diferente do resto do evangelho, prova de que essa passagem não é de Marcos, o objetivo principal do evangelho foi conservado: a convocação da comunidade a retomar o caminho da esperança e resistir na fé. Jesus, o Evangelho Vivo, terminada a sua missão, deixa o legado de anunciar e esperar a realização definitiva do Reino de Deus para os cristãos das décadas de sessenta e setenta, membros da comunidade de Marcos. Eles não deviam deixar se abater pelo desânimo, ainda que Pedro e Paulo, por testemunharem Jesus, tenham sido mortos de forma trágica, o primeiro crucificado de cabeça para baixo e o segundo, degolado. O império romano dominava o país de Jesus, a Palestina, e perseguia os cristãos, os quais morriam testemunhando a fé em Jesus ressuscitado. Os judeus acreditavam que a solução para se livrar dos romanos seria uma rebelião armada. Muitos judeus convertidos ao cristianismo não sabiam se deviam ou não entrar nessa guerra. Os judeus também diziam que Cristo não podia ser o Messias, pois ele tinha sido crucificado. Eles pensavam que um crucificado era sempre um maldito de Deus. Nesse contexto, entre os cristãos da comunidade de Marcos pairava a dúvida: será que Jesus é realmente o Messias e Filho de Deus? A maior parte dos apóstolos e dos cristãos da primeira hora já tinha morrido. Uma nova geração de líderes estava assumindo a coordenação. Isso causava tensões, brigas e ciúmes no interior da comunidade (Mc 9,34.37; 10,41).

Como ser discípulo de Jesus em meio a essa situação tão complicada e difícil? Todos se perguntavam. Foi nesse contexto que Marcos, ou João Marcos, filho de Maria (At 12,12.25), um judeu convertido ao cristianismo, discípulo de Pedro (IPd 5,13) e primo de Barnabé (Cl 4,10) tomou a decisão de escrever um evangelho para devolver a esperança aos cristãos. Ele trazia uma certeza, a de que de Jesus era o Messias e Filho de Deus. “Princípio (fazendo ligação com o livro de Gênesis) do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus” (1,1) são as suas primeiras palavras no seu evangelho. A sua certeza se baseia na palavra profética (Mc 1,2-3). Confirmada, de forma eloquente no final do evangelho, com a declaração de um centurião romano que, olhando atônito para Jesus crucificado, declara: “Verdadeiramente este homem era Filho de Deus” (Mc 15,39). A fala do centurião anônimo é um convite para recomeçar, apesar do aparente fracasso da cruz. O acréscimo, Mc 16,15-20 é, da mesma forma, um convite para refazer o caminho de Jesus, narrado no evangelho, ainda que a cruz pudesse ser encontrada no fim da jornada.

No evangelho, o caminho de Jesus começa na casa (Mc 1,1—8,22), centro de sua atividade missionária, lugar de intimidade com Ele. Fora da casa estavam os adversários: escribas, fariseus e herodianos, os quais controlam a convivência social e a sinagoga, lugar onde se manifesta Satanás, o adversário, e o príncipe de outra casa, a de Belzebu. Para entrar na casa de Jesus, é preciso romper com o sistema opressor da sinagoga e das leis judaicas. As mulheres são admitidas como discípulas na casa (1,29). No centro da casa está a mesa, a partilha do pão, como símbolo das novas relações sociais, econômicas e políticas (6,34-44, 8,1-10).

Na segunda etapa de seu caminho, Jesus chega ao centro do poder, Jerusalém (8,22—16,20). A palavra caminho aparece várias vezes no texto:  caminho (8,27), caminhava através de … (9,30), no caminho… (9,33-34), junto dali, foi (10,1), ao retomar sua caminhada (10,17), estavam no caminho (10,32), à beira do caminho (10,46), segui-o pelo caminho (10,52). Jesus chega em Jerusalém (11,1), entra no Templo, onde tem conflitos (11,27; 12,12.18.28.35.38.41) e anuncia o seu fim (13,2).

A última etapa do caminho de Jesus é a crucifixão fora de Jerusalém. Por fim, os seus seguidores são chamados a retomar o caminho e abrir novos caminhos, anunciando o Evangelho e tendo a certeza de que o Senhor estaria com eles no caminho.

O poeta espanhol Antônio Machado escreveu em seu poema “Cantares” uma frase que ficou célebre: “O caminho se faz caminhando!” Assim aconteceu com os discípulos e discípulas de Jesus, os quais aprenderam, até na hora derradeira de convivência com o Mestre, o caminho ensinado por Ele. Pelo caminho, muitas pessoas seguiam Jesus. Vários o procuraram somente para receber milagres. Outros tantos chegaram a perder o entusiasmo e pararam de buscá-lo.

E nós? O estar no caminho de Jesus exige que sempre paremos, olhemos, escutemos e sigamos em frente. Vida foi feita para ser trilhada. Ela não para. É veloz. A um sopro passa a nossa vida. E no efêmero sopro da vida, que bom seria se todos nós estivéssemos nos passos, no caminho de Jesus. A comunidade de Marcos resistiu na fé e na esperança diante dos sofrimentos e opressão. Agora, cabe a nós essa sublime tarefa. Sigamos em frente!


Fonte: Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil 

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