Missão Franciscana do MT e MS

Rua 14 de Julho, 4213 - Bairro São Francisco - 79010-470 - Campo Grande, MS

Mensagem do Custódio › 12/12/2020

Palavras do coração franciscano – Sem Amor a fé esmorece

Quais são os ensinamentos de São Francisco de Assis?

Sem Amor a fé esmorece

 Frei Rogério Viterbo de Sousa, OFM

 No  dia  de  Santo  Antônio,  nosso  grande  santo  franciscano,  lendo  um  de  seus  sermões, deparei-me com uma verdade que, ao meu ver, perturbaria a consciência de quem gosta de viver sossegado em sua zona de conforto. Disse o santo pregador. “A caridade é a alma da fé, torna-a viva; sem o amor, a fé esmorece”1. Atualmente a indiferença e a omissão tornaram-se   atitudes   rotineiras   e,   lamentavelmente   falando,   em   realidades   “normais”. Faltam atitudes que demonstrem o amor feito caridade e compaixão. Hoje, o que não falta é um  amor  tecido  de  palavras  e  de  falsas  promessas.  Santo  Antônio  não  ficou  apenas  nas palavras e nas promessas. Empenhou-se concretamente em favor dos pobres, cuja situação, assim como hoje também, era terrível. Seguindo o exemplo do Seráfico Pai São Francisco, o seu coração ardia de amor e compaixão pelos pobres e sofredores e tudo fazia por eles. Conta- se  que,  em  Pentecostes  de  1227,  Santo  Antônio  dirigiu-se  ao  túmulo  do  Seráfico  Pai  São Francisco,  pedindo-lhe  a  graça  da  humildade,  do  amor  à  cruz,  da  simplicidade  do  Menino Jesus no presépio. E pediu, com toda intensidade: “Dá-me o teu amor pelos pobres, os miseráveis,   os   infelizes.   Dá-me   força   e   coragem   para   combater   injustiças, violências   e   prepotências.   Quero   dedicar   minha   vida   à   evangelização   dos pobres.  Quero  confortá-los  com  palavras  belas  e  simples.  Pai  Santo,  ofereço minha vida aos pobres mais esquecidos”2. Quanto amor para com os pobres! Que bom seria se aprendêssemos a amar os pobres desta maneira comprometida e bem franciscana!

Num átimo de um pensamento, lembrei-me de uma passagem da Sagrada Escritura também inquietante. Veio-me à mente a parábola do bom samaritano. Com avidez, meu coração franciscano foi ditando para minha mente esta passagem com toda exatidão. Pude então ouvi-la, no silêncio: “Jesus então contou: Um homem descia de Jerusalém a Jericó, e caiu nas mãos de ladrões, que o despojaram; e depois de o terem maltratado com muitos ferimentos, retiraram-se, deixando-o meio morto. Por acaso desceu pelo mesmo caminho um sacerdote, viu-o e passou adiante. Igualmente um levita, chegando àquele lugar, viu-o e passou também adiante. Mas um samaritano que viajava, chegando àquele lugar, viu-o e moveu-se de compaixão”3.

“Moveu-se de compaixão”, estas palavras incomodaram as minhas convicções com relação à prática da caridade, da compaixão, tão urgentes e necessárias nestes tempos difíceis. A pandemia do  novo coronavírus (COVID-19)  gera muitas dúvidas, muitas  incertezas, muitas angústias   e   muitos   sofrimentos   para   todos   nós,   mas   especialmente   para   os   pobres, necessitados e abandonados.

Esta   realidade   é   muito   desafiadora,   mas   pode   ser   também   um   momento   para   novos ensinamentos, especialmente para redescoberta do amor fraterno e da prática da caridade e da compaixão para com os pobres, para com os oprimidos e para com todos os necessitados. Esta pandemia levou a grandes mudanças em quase todos os aspectos da nossa vida diária e também,  penso  eu,  está  nos  afetando  em  nossa  consciência.  Não  somos  tão  poderosos, onipotentes e imunes aos problemas e dificuldades como gostamos de imaginar que somos. Frei Raniero Cantalamessa, frade franciscano capuchinho, pregador da Casa Pontifícia desde 1980,  em  sua  pregação  na  Sexta-feira  Santa  deste  ano,  recordou-nos  esta  verdade:  “A pandemia  de  coronavírus  nos  despertou  bruscamente  do  perigo  maior  que sempre  correram  os  indivíduos  e  a  humanidade,  o  do  delírio  de  onipotência. […] Bastou o menor e mais informe elemento da natureza, um vírus, para nos recordar  que  somos  mortais, que  o  poderio  militar  e  a  tecnologia  não  bastam para nos salvar”4. Fomos obrigados a retirar as máscaras de nossas hipocrisias e de nossas falsas onipotências e colocar no lugar delas uma máscara de proteção, revelando toda a nossa fragilidade  diante  desta pandemia.  Somos tão humanos,  tão  frágeis,  quanto  os  pobres  e os sofredores.

Enquanto esperamos este tempo passar ou quem sabe a descoberta de uma solução, não podemos fechar os nossos olhos e deixar de enxergar uma grande quantidade de pessoas, nossas irmãs, que estão sofrendo e mergulhadas na dor e na tristeza. Além dos males causados pela pandemia, sofrem, principalmente, com a falta de condições de vida digna e de políticas honestas que as ajudem. Bom, basta ver a situação e o cenário político de nossa Pátria amada Brasil e entenderemos que existem outras prioridades na cabeça de nossos governantes, que certamente não são a saúde, a educação e nem a promoção do bem comum. Estão faltando alimentos, remédios e trabalho. No âmbito da vida fraterna, faltam corações repletos de amor para tornar a caridade e a compaixão em realidades concretas, visíveis e constantes. Não seria essa a hora exata para estabelecer definitivamente neste nosso País uma cultura de fraternidade, de caridade e de solidariedade, que seja permanente? A meu ver, já passou da hora.

É preciso socorrer os pobres, os desempregados e qualquer pessoa que esteja com suas despensas e panelas vazias. Consequentemente, com muita fome. A fome mata e a dor da indiferença também. São inúmeras pessoas e famílias em nosso país e no mundo que estão enfrentando dificuldades ferozes por conta da reclusão obrigatória em casa, sem poder trabalhar para comprar o pão de cada dia. É triste e deve fazer doer a nossa consciência, por vezes sossegada em assistir este caos, que produz um vale de lágrimas. Mesmo assim, preferimos, muitas vezes, cruzar os braços numa atitude de indiferença e de omissão. Não dá para achar que a resolução desta problemática não seja um compromisso à espera do amor fraterno, da nossa caridade e de nossas atitudes. Precisamos fazer a nossa parte.

Todos nós precisamos desenvolver a virtude do amor fraterno, da caridade e da compaixão em nosso coração e em nosso interior. Quem não se esforça em amar fraternalmente, para fazer que a caridade e a compaixão realmente aconteçam, precisa rever sua maneira de pensar o Cristianismo e de dizer ser cristão. É tempo de mudar nossas atitudes, para que elas sejam condizentes com o Cristianismo. Ter atitudes cada vez mais condizentes com o Cristianismo que praticamos nos tornará, com toda certeza, pessoas bem melhores. Certamente, nosso testemunho de vida cristã valerá mais do que qualquer discurso bonito. Basta de discursos bonitos, vazios de atitudes e de sentidos! Como praticantes dos ensinamentos de nosso Senhor Jesus Cristo, somos chamados a praticar e se empenhar sempre mais na prática do amor verdadeiro e da bondade com atitudes de compaixão e de caridade, além de dobrar os joelhos em oração, esperando que Deus resolva tudo sozinho.

Com toda humildade do meu coração franciscano, creio que, em nossa autoavaliação que o tempo de quarentena nos tem permitido fazer, precisamos enxergar e analisar nossos sentimentos egoístas e mesquinhos, nossas omissões e procurar as mudanças que de fato precisamos fazer. Mudar tudo aquilo que impede o amor, a compaixão e a caridade de acontecerem constantemente. É mister reaprendermos amar, respeitar e ajudar o próximo. Desta forma, o veremos sendo capaz de conservar a dignidade de sua vida e encontrar a verdadeira e plena felicidade, aquela que vem de Deus e que nós também queremos ter em nossa vida a cada dia.

Os padres da Igreja, por exemplo, São Clemente de Alexandria (séc. III) se perguntava: “Quem mais teve compaixão de nós, de nós que, com muitas feridas – com os nossos medos, paixões, invejas, aflições e alegrias dos sentidos –, estávamos sujeitos ao poder da morte, do príncipe do mundo das trevas? Jesus é o único capaz de curar estas feridas, porque acaba com todos os sofrimentos de modo absoluto e até à raiz5”.

Todos nós somos alvos da compaixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. Não podemos nos prender aos medos que hoje são tantos e impedem o amor, a caridade e a compaixão de acontecerem. As Sagradas Escrituras declaram que “no amor não existe medo; antes o perfeito amor lança fora o medo”6. Nosso Senhor Jesus Cristo, com sua vida, ensinou- nos isto, através de gestos concretos e repletos de verdadeiro amor e de verdadeira compaixão. Hoje é tempo de colocarmos em prática os ensinamentos que recebemos de toda uma vida nos bancos da igreja. Que nossa fé seja de atos e não apenas de palavras cheias de desculpas e de julgamentos.

Retomando a parábola do bom samaritano, do começo deste texto, não precisamos nos perguntar sobre quem é o nosso próximo. Esse próximo, na maioria das vezes, não faz parte do nosso círculo familiar ou do nosso grupo de amigos. Frequentemente o próximo é um estranho, alguém que não é importante aos nossos interesses. Nós sabemos quem é e onde podemos encontrá-lo. Se hoje, por causa da pandemia, temos que observar o distanciamento, porém o amor, a caridade e a compaixão não podem jamais se tornarem atitudes distanciadas de nossa conduta cristã. São e sempre serão sinais de aproximação, mesmo que realizados à distância. Não existe distância que consiga vencê-los nem os impedir de acontecerem.

Olhando a atitude do bom samaritano, podemos notar sua coragem. Ele quis se aproximar. E como é bonito este seu gesto! É o primeiro que se deve fazer diante da dor, do sofrimento, da desgraça e da necessidade de quem precisa. Aproximar-se, e não querer vê-lo somente de longe. O bom samaritano, imediatamente, cuidou do homem ferido e necessitado. Tudo bem que hoje, por razões de cuidado com a nossa saúde e a saúde de todas as pessoas, a aproximação, temporariamente, não seja possível. Responsavelmente, mantemos o distanciamento. O que jamais podemos esquecer é que o amor ao próximo é prático e é demonstrado com as obras de proximidade, mesmo na distância. Não é aquele “amor” tecido somente de palavras e falsas promessas, que saem da boca para fora. Falo do Amor verdadeiro, pois somente este pode gerar atitudes de compaixão e de caridade. Ele precisa ser manifestado na realização do que se deve fazer em cada caso concreto de real necessidade. Assim deveríamos agir. E porque não agir desta maneira ensinada por Nosso Senhor Jesus Cristo? Afinal, somos ou não somos cristãos, seguidores seus?

Também  sempre  me  chamou  a  atenção,  nesta  parábola  contada  por  Nosso  Senhor  Jesus Cristo, a figura de um outro personagem, que sempre passa um pouco despercebido, que é o dono da hospedaria (ver Lc 10, 35). O bom samaritano encontrou o homem ferido, socorreu- o  num  primeiro  momento  e  levou-o  para  a  hospedaria.  Chegando  lá,  encontra  o  dono  da hospedaria, que atendeu ao seu pedido para cuidar do homem ferido o tempo necessário para o  seu  restabelecimento.  Ele  aceitou  dar  continuidade  aos  cuidados  do  homem  ferido,  sem nenhuma certeza de que iria receber os gastos a mais. Eu ouso dizer que a atitude deste dono da hospedaria sempre provocou em mim a compreensão da importância da continuidade do amor, da responsabilidade, da compaixão por meio do gesto sublime do cuidado, que se deve ter com a vida do próximo.

Isto é muito sugestivo para este tempo que estamos vivendo e para fundamentar as reflexões que estamos fazendo. O amor fraterno, a compaixão, a caridade e o cuidado são lições necessárias em todo e qualquer tempo da vida. Sou convicto em acreditar que, se durante  esta pandemia aprendermos estas lições, seremos capazes de realizá-las constantemente; porque não ousar dizer: sempre? O ponto principal não é se perguntar “Quem é o meu próximo?”. A pergunta correta deve ser: “Eu estou sendo um bom próximo para os pobres, abandonados, necessitados, que estão ao meu redor?”

Sempre é tempo e eu digo para mim mesmo para sermos mais capazes de amar, capazes de caridade e capazes de compaixão. As pessoas necessitadas estão ao nosso redor e ao alcance de nossos olhos. Depende de nossa atitude para que elas se tornem nossos próximos! Ser como o bom samaritano ou, pelo menos, como o dono da hospedaria é agir movido pelo amor, pela caridade e pela compaixão, que nos leva a aproximar-nos de quem precisa de amor, de socorro e de cuidado e praticarmos a compaixão. O caminho que leva a Deus passa necessariamente pelo próximo. Não nos esqueçamos de que, sem o Amor, a fé esmorece, a caridade e a compaixão jamais acontecem.

Desejo que minhas humildes palavras, talvez, lhes sirvam para um bom momento de reflexão. Se assim for,

Boa reflexão, então!

Convento São Francisco, Campo Grande, MS, 17 de junho de 2020.

 

Deixe o seu comentário





* campos obrigatórios.

Cadastre-se e receba nossas novidades

X