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Existem muitos métodos para se estudar um texto Bíblico. Há também muitas maneiras de se analisar e ler a Bíblia.
Esta é uma introdução ao texto, dentro do modo como a CFE/2021, compreendeu esta carta. Nesse sentido, o recorte de leitura feito, enfoca na mensagem de Cristo como sendo a Paz e um convite a termos um compromisso de amor, promovido pelo diálogo. A comissão optou pelo caminho de acolher o texto, por si só, levando em consideração a sua natureza, de ser uma carta e sua posição – ser um texto sagrado. Abrimos mão das discussões acadêmicas sobre o texto e optamos pela leitura na perspectiva do cuidado, ou seja, pastoral.
Desse modo, observamos o contexto que o próprio texto nos apresenta e o que podemos aprender com isso, conforme Paulo aos Romanos, no capítulo 15:4 – tudo o que foi escrito outrora. o foi para a nossa instrução a fim de gerar esperança e na tentativa de responder alguns questionamentos: A Campanha está propondo: Fraternidade e diálogo: compromisso de amor. Na carta aos Efésios encontramos a inspiração bíblica que iluminará nosso caminho de reflexão e ação.
Na abertura do texto base encontramos algumas perguntas e entre elas, duas que nos dão o norte:
Como anunciar a Boa Nova de Jesus Cristo em períodos turbulentos como o atual?1
Antes de apresentar o comentário, considero importante, termos em mente que o conceito de religião que possuímos, como algo privado, não pertence ao ambiente ou cultura bíblica. Quando alguém falava que era judeu, não estava falando de seus ritos e celebrações litúrgicas, mas dizia a respeito da sua etnia, sua formação social, sua identidade enquanto pertencente a um povo, como ele se relaciona com sua terra, o que come, como se veste, sua compreensão e relação familiar, como se relaciona com o estrangeiro, isto é o modo como estabelece suas relações internacionais. Então, não é algo privado, mas sua identidade – seu ethos.
Isto é importante, para compreendermos melhor as respostas apresentadas pelo texto às tensões, aos conflitos e às polarizações. A campanha, centralizou seu tema e lema em Efésios 2:14-15 É ele, com efeito, que é a nossa paz: do que era dividido, fez uma unidade. Em sua carne destruiu o muro de separação: o ódio. A análise deste texto envolve o pano de fundo no qual nasce a carta. Proponho uma perícope representativa do texto: Capítulo Ef. 2:11-20.
“Lembrai-vos portanto de que outrora, vós que trazíeis o sinal do paganismo em vossa carne. vós que éreis chamados de “incircuncisos” por aqueles que se pretendem “circuncisos” em consequência de uma operação praticada na carne, lembrai-vos de que, naquele tempo, éreis sem Messias privados de cidadania em Israel, estranhos às alianças da promessa, sem esperança e sem Deus no mundo. Mas agora, em Jesus Cristo, vós que outrora estáveis longe, fostes tornados próximos pelo sangue de Cristo. É ele, com efeito, que é a nossa paz: do que era dividido, fez uma unidade. Em sua carne destruiu o muro de separação: o ódio. Ele aboliu a lei e os seus mandamentos com suas observâncias’“. Ele quis assim, a partir do judeu e do pagão”, criar em si um só homem novo, estabelecendo a paz, e reconciliá-lo com Deus, ambos em um só corpo, por meio da cruz, onde” ele matou o ódio. Ele veio anunciar a paz a vós que estáveis longe, e a paz aos que estavam perto’. E é graças a ele que uns e outros, num só Espírito, temos acesso ao Pai. Assim, não sois mais estrangeiros nem migrantes’; sois concidadãos dos santos”, sois da família de Deus. Fostes integrados na construção que tem como fundamento os apóstolos e os profetas’, e o próprio Jesus Cristo como pedra mestra”. Efésios 2:11-20
Voltando um pouco ao contexto histórico da carta, estamos falando de um tempo sob o domínio do Império Romano, em que se nomeava o medo como Paz. Roma, impunha a acomodação da sociedade por meio da violência. Evidentemente, a violência tem seu peso, mas sem uma estruturação mental, não há quem se submeta.
Para que haja a estruturação mental de “domesticação”, há a necessidade de um valor simbólico, no caso, esse valor em Roma estava no Imperador. Para o império ele é Filho de Deus, e seus mandamentos são mandamentos divinos, logo, seu governo é feito a partir de uma estruturação conceitual divina, e validada pelo fato de ganhar as guerras – as evidências de seu poder divino estão nas vitórias conquistadas pelo uso da força e imposição; uma cultura de violência. Por outro lado, temos o contexto judaico, que com suas leis e ordenanças, também concebidas como divinas, do mesmo modo determinam quem é Filho de Deus.
Quem podia se arvorar de ser filho de Deus eram os judeus. Eles fazem isso com a bandeira da história de suas vitórias na qual testemunham que poucos e fracos derrotam os poderosos. Apesar de subjugados pelo império romano, compreendem que estão apenas temporariamente subjugados, mas cultivavam a esperança de em breve serem resgatados.
Nesse sentido da eleição divina, sobre quem são os filhos de Deus, temos um conflito bem interessante, que o escritor da carta aos Efésios, vai utilizar- se simbolicamente do muro no templo que separava judeus e gentios, cuja inscrição na parede condenava à morte quem o ultrapassasse. São dois extremos, dentro de um mesmo contexto que geram a polarização.
Aqui temos questões legais, que hoje chamamos de cidadania. O autor vai trazer no texto:
Um decreto, a Lei Romana, que torna alguém filho de Deus. Um rito, a Lei Judaica, que torna alguém filho de Deus. Ambos se consideram os eleitos e portanto, eram excludentes. O que promovia isso? Ambas as Leis com seus mandamentos e ordenanças. Acontece que em meio às tensões, diríamos dos conflitos políticos-sociais, judeus e gentios se converteram a Cristo. Ambos assumiram uma mesma proposta, mas ainda lidando com a questão de dois conflitantes que precisava ser equacionada: quem é filho de Deus?
O escritor responde: “concidadãos dos santos, todos família de Deus”-
Numa tacada só abarca os dois critérios: de cidadania e de filiação divina. Interessante lembrar o conceito de santo, como separado. Quem são os eleitos, ou os separados? Para cada um dos povos, são os seus compatriotas, mas ao acolherem o Evangelho, assumiram um compromisso com a vida de Cristo, no qual, todos os comprometidos com essa vida, independente de sua etnia – judeu ou grego, sua posição social – escravos ou livres, de seu gênero – homem ou mulher, todos são filhos de Deus. Em outras palavras, põe os excluídos para dentro – lembrando que não eram cidadãos para os romanos – escravos, mulheres e estrangeiros. Não eram cidadãos para os judeus, os não circuncidados e dos circuncidados, todos os que quebravam a Lei. A morte de Cristo, apresenta o escritor, é a circuncisão dos gentios, a derrubada do muro na casa de oração para todos os povos. Mc 11:17. Mas tem algo mais: Jesus é a anulação da Lei.
O Muro estava construído sob a ordenança da Lei. Muro que excluía e matava sob proteção legal. O escritor ao dizer que o muro foi derrubado, põe em xeque a Lei. Citando o sofrimento de Cristo, ele demonstra que a Lei alienava de Deus, excluía as pessoas, destituía, matava.
A lei causava danos irreparáveis. Para elucidar um pouco mais sobre a inoperância da Lei, há o exemplo da mulher pega em flagrante adultério, S. João 8, levada até Jesus pelos judeus com a disposição de matá-la. Também se tratava de uma armadilha à Jesus que pregava a paz, o amor e o perdão. Se Jesus a condena contraria aquilo que Ele defendia, se ele a liberta peca contra a Lei e pode ser acusado e condenado. Mas, para nosso exemplo, a ênfase está no fato de que os judeus, poderiam apedrejar aquela mulher até à morte ou a Jesus, com a consciência tranquila porque não estariam cometendo nenhum crime, antes, estariam executando a Lei, logo, não seriam considerados pecadores com o assassinato dela. Não é diferente da sociedade que vivemos, tanto civil como religiosa: se apodera de aspectos legais que exclui, que elege quem deve viver e quem deve morrer. Quem deve ser filho de Deus e quem não.
O escritor transpõe essa dificuldade, esse muro, muro de ódio, que é a lei que divide as pessoas. Lei que deveria resgatar, proteger, salvar. Ele anuncia que o muro foi derrubado, no sofrimento de Jesus na carne, criando uma ponte no lugar quando afirma: Jesus na sua carne aboliu a Lei. Como? A Lei, o excluiu e o matou, – ambas, e indefere, a judaica ou romana, portanto, está comprovado na carne de Jesus que a Lei faliu, perdeu sua validade, perdeu sua capacidade de manter e suscitar a vida.
Se a Lei perdeu sua validade, ela foi completamente anulada. Não pode mais determinar quem são os excluídos, sendo assim, estão todos em pé de igualdade, então é melhor, por causa de Jesus, incluir, ou de outro modo, se todos somos iguais e condenados pela Lei todos deveríamos ficar de fora. Agora, a gente escolhe a vida ou a morte. Em Jesus temos a vida porque a Lei, foi condenada.
Como disse a principio o que foi escrito é para nosso ensino a fim de gerar esperança. Como recurso teológico o escritor vai dar base e autoridade às suas afirmações usando a expressão do profeta messiânico, o profeta Isaías, quando diz: “.
Paz, paz, aos de longe e aos de perto”, diz o Senhor. “Quanto a ele, eu o curarei”
Sabemos que o critério judaico de escrita, usa parte para representar o todo. Isto é, ao citar um pequeno trecho, quando o judeu lê, ele sabe o que está naquele texto todo. Se olharmos Isaias 57, vamos perceber que ele fala sobre remover os obstáculos do caminho do povo. E se dirá: “Aterrem, aterrem, preparem o caminho! Tirem os obstáculos do caminho do meu povo”. Isaías 57:14 No caso, o muro do ódio era o obstáculo. Removam ele.
Ao vivermos um tempo de ódio e polarizações e de muita exclusão, temos uma oportunidade extraordinária de demonstrarmos por meio da Igreja, um lugar de Refúgio, onde a Lei não será aplicada para a destruição, mas será praticado a graça e os dons, conforme Efésios, 4:7. Atos concretos serão exercidos e praticados em solidariedade e promoção do Reino de Deus que é paz, justiça e alegria no Espírito.
Em tempos de conflitos, polarizações, divisões e violência, segundo a Carta aos Efésios, percebemos que Cristo é o caminho de superação da crise, tal qual vivia a comunidade de Efésios. Jesus Cristo é o centro da fé e unifica a comunidade, pois convoca à experiência do amor que nos une.
Paz significa tanto superação das violências e das discriminações, quanto a plenitude de vida, consequência de relações equânimes entre o ser humano e a natureza, o ser humano e seus semelhantes e o ser humano e Deus. Isso significa que Cristo é aquele que garante as relações de equidade e acolhida entre todos os povos. Por causa de Cristo, a Igreja existe para ser o lugar onde os povos separados se encontram como um (Ef 2.17-22). A superação dessas hostilidades não foi meramente um produto colateral do Evangelho, mas é a sua concretização.2
Nas bem-aventuranças, em Mateus 5.9 se diz: “a pessoa que promove a paz é chamada de filho e filha de Deus”. Se somos filhos de Deus, nosso espaço de fé é desenvolvido no ambiente da Paz, da unidade, do diálogo. Tendo Cristo derrotado esses poderes, todos somos livres para praticar a equidade, a inclusão e a unidade na diversidade.
Em Cristo, a Boa Nova de paz é oferecida para todas as pessoas a fim de se construir uma nova humanidade, que não esteja dividida e nem orientada pela violência e pelas divisões, mas animada e alicerçada no amor, na graça de Deus e na unidade que se realiza pelo Espírito Santo (Ef. 2,18). A igreja trabalha para a transformação da realidade.
Esta transformação é a esperança de que uma nova humanidade é possível. A fé em Jesus Cristo é o vínculo que une a comunidade e garante que experimentemos os sinais do Reino de Deus entre nós: o amor, a benevolência, o perdão, a liberdade e a graça (Ef. 1.3-8). Para superar os conflitos oriundos das ameaças do contexto social mais amplo, a orientação é que pratiquem solidariedade mútua e compreendam que estão integrados ao edifício cuja pedra fundamental é Cristo.
Por isso, as pessoas que compõe a comunidade precisam reconhecer- se como concidadãos e concidadãs do povo de Deus (Ef 2.19-20). Desse modo, os cristãos e as cristãs não devem esperar nada de espetacular, que não seja o humilde exercício da fé solidária que é o serviço mútuo. A diversidade não é razão para conflitos.3
A Igreja é a manifestação de Cristo que opera no esvaziamento dos poderes do mundo, poderes violentos e destrutivos que geram medo, e como nos ensina as Escrituras 1João 4:18 – o amor lança fora o medo.
Eliel Batista – Comissão da CFE/2021
Novembro/2020
Narração: Frei Edson R. Andrade, OFM – Frade da Custódia Franciscana das Sete Alegrias de Nossa Senhora – Mato Grosso e Mato Grosso do Sul
Fonte: CNBB